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cisma sino-soviético a distensão e a diplomacia triangular



A Revolução Chinesa de 1949 gerou um Estado socialista autônomo diante da União Soviética. O poderio geopolítico desse Estado – expresso na demografia, na extensão territorial e na base de recursos econômicos – representou um desafio estratégico para Moscou. A rivalidade potencial entre Moscou e Pequim permaneceu oculta durante a primeira década do poder de Mao Tsetung, mas eclodiu quando a China tomou a decisão de desenvolver um programa nuclear nacional. O cisma sino-soviético tornou-se público em julho de 1960, quando a União Soviética rompeu o programa de cooperação militar bilateral, suspendendo a assistência financeira e retirando todos os assessores técnicos que trabalhavam na China. A reação de Pequim consistiu no fechamento da fronteira chinesa com a União Soviética. A ruptura expressava o temor de Moscou em relação a uma China que agregava a modernização militar a seu potencial demográfico, alterando desse modo o cenário estratégico asiático. A China explodiu sua primeira bomba atômica em 1964. Dois anos mais tarde, iniciou a Revolução Cultural, radicalizando suas experiências coletivistas e afastando-se ainda mais da União Soviética. Em agosto de 1969, pouco depois da abertura das negociações de paz do Vietnã, estalaram conflitos armados ao longo do Rio Ussuri, na fronteira sino-soviética. Naquele momento, a China e a União Soviética ficaram perigosamente próximas da guerra total e a profundidade do cisma tornou-se patente até para os mais céticos. A reorientação da política externa americana empreendida por Nixon e Kissinger a partir de 1969 tomou como pontos de partida as evidências de que a estratégia da contenção na Ásia tinha entrado em colapso e já não correspondia às tendências dinâmicas do sistema internacional. A retirada do Vietnã, uma necessidade política premente em função da oposição doméstica à guerra, significava a virtual supressão do “cordão sanitário” de alianças asiáticas que rodeavam as duas potências comunistas. O cisma sino-soviético, cujas causas não se relacionavam com a política americana, apresentava a oportunidade de reconfigurar positivamente a contenção da União Soviética. A estratégia conduzida por Nixon e Kissinger girou em torno de três eixos, que se reforçavam e apoiavam uns aos outros: a “retirada honrosa” do Vietnã, a aproximação e a cooperação com a China, a distensão das relações com a União Soviética. A abertura para a China constituiu o aspecto mais sensacional e dramático da nova política externa de Washington. Em tese, essa possibilidade existia desde o início dos atritos entre Moscou e Pequim – e tanto o alemão Konrad Adenauer, em 1957, quanto o francês Charles De Gaulle, no início dos anos 60, apontaram a inadequação da idéia de contenção da China. Mas, nas palavras de Kissinger, “…durante muito tempo, os elaboradores americanos de políticas, cegos por preocupações ideológicas, foram incapazes de apreciar que a ruptura sino-soviética representava uma oportunidade estratégica para o Ocidente”.26 A aproximação sino-americana realizou-se sob a forma sensacional da viagem do presidente americano à capital de um Estado que permanecia sem relações diplomáticas com os Estados Unidos. Nixon visitou a China entre 21 e 27 de fevereiro de 1972, entabulando longas conversações com Mao Tsetung e Chou En Lai, o número dois na hierarquia chinesa. A visita não produziu qualquer acordo diplomático formal – nem era essa a sua pretensão. Contudo, o Comunicado de Xangai, declaração conjunta final, sugeriu, em linguagem apropriadamente hiperbólica, uma aliança tácita destinada a se opor a eventuais tentativas soviéticas de dominação da Ásia. O acordo tácito sino-americano tinha conseqüências estratégicas para a União Soviética. Daquele momento em diante, Moscou deveria trabalhar com o cenário complexo de duas frentes de combate: a Otan, na Europa, e a China, na Ásia. O arsenal nuclear chinês, embora incomparavelmente menor que o soviético, proporcionava dissuasão limitada. A promessa implícita de apoio americano no caso de uma agressão à China reduzia o espaço de manobra soviético. A diplomacia triangular, tal como caracterizada por Kissinger, substituía a contenção rígida – expressa no “cordão sanitário” – por uma dinâmica de equilíbrio de poder no espaço asiático. A dinâmica dessa política exigia que Washington conservasse sempre a iniciativa,
fornecendo estímulos para a cooperação bilateral tanto com Moscou quanto com Pequim. No esquema do triângulo, a posição negociadora americana seria mais favorável enquanto os Estados Unidos estivessem mais próximos de cada uma das potências comunistas do que estas estivessem entre si. A política da distensão exprimiu-se em várias frentes mas, antes de tudo, na esfera dos tratados de limitação de armamentos nucleares. Ao longo da década de l970, a partir da administração Nixon, ergueram- se os pilares do edifício de tratados que regularam o equilíbrio do terror. O primeiro pilar foi o Tratado de Limitação de Armas Estratégicas (SALT-1) firmado em 1972 por Nixon e pelo líder soviético Leonid Brejnev. No núcleo do SALT-1, encontrava-se o acordo sobre mísseis antibalísticos (ABM), que limitou as defesas contra mísseis estratégicos a apenas duas cidades e duzentos vetores para cada lado. Seu significado
era o de virtualmente impedir a defesa da população diante de um ataque nuclear. A lógica que o orientava se baseava na manutenção da eficácia da represália devastadora, eliminando os incentivos de um sistema de defesa nacional antimísseis para um primeiro ataque de surpresa. O segundo pilar foram os acordos de limitação de armas ofensivas estipulados pelo SALT-1 e, depois, pelo SALT-2, assinado em 1979 por Jimmy Carter e Brejnev. Nos dois casos, fixaram-se tetos máximos, extremamente elevados, de vetores e ogivas. Os limites definidos nesses tratados não se destinavam a reduzir os arsenais nucleares, mas a ordenar
a corrida armamentista de modo a conservar a paridade estratégica assimétrica.
A política da distensão atingiu seu ponto mais alto depois do encerramento da administração Nixon, antecipado pelos desdobramentos do escândalo de Watergate. Em 1975, reuniu-se em Helsinque – com a participação dos Estados Unidos, da União Soviética, do Canadá e dos Estados europeus – a Conferência sobre a Segurança e a Cooperação Européia (CSCE). A Ata de Helsinque, que encerrou a Cúpula, legitimava a ordem emanada do fim da Segunda Guerra Mundial e da divisão da Europa em blocos geopolíticos antagônicos. A CSCE tornou-se um fórum de segurança de primeira ordem, abrangendo as superpotências e as suas alianças militares, a Otan e o Pacto de Varsóvia. Mais tarde, com o fim da Guerra Fria, se transformaria num organismo de caráter permanente: a atual Organização de Segurança e Cooperação Européia (OSCE). 


Comentários

  1. Muito bom esse texto, aprendi muita coisa.

    Vitorio.

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  2. Realmente essse texto é fundamental. Fico feliz por ter gostado. Um abraço

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