O que podemos entender da obra "A Invenção do Trabalhismo", de Angela do Castro Gomes.
Vamos lá!
Faço aqui uma breve análise, que não substitui a leitura da obra. Indispensável a qualquer que desempenhe o ofício de Historiador.
A autora Ângela de
Castro Gomes inicia sua análise sobre o conceito de populismo no Brasil
apontando para um certo "deslizamento" do termo do espaço acadêmico
para o senso comum, ou seja, para o uso popular e pelos meios de comunicação.
Isso significa que, embora os debates acadêmicos recentes questionem a validade
do conceito de populismo, o rótulo "populista" ainda é utilizado
socialmente para estigmatizar certos políticos e propagar ideias como "o
povo não sabe votar". Isso porque a utilização ampliada do termo passou a
atuar como uma forma de pressão e conformação dos debates políticos.
Segundo a autora, a origem do
conceito de populismo no Brasil remonta à década de 1950, em um período de
"juventude" da reflexão acadêmica, quando os pesquisadores começaram
a se interessar pelo estudo das estruturas do poder nacional. Esse processo
resultou na formação do Grupo de Itatiaia, vinculado ao Instituto Brasileiro de
Economia, Sociologia e Política (IBESP) e à sua publicação, chamada Cadernos do
Nosso Tempo. Para Gomes, essa publicação foi o berço da ideologia
nacional-desenvolvimentista, sendo o núcleo básico para a formação do ISEB e de
um amplo movimento progressista em prol de reformas estruturais de base.
De acordo com a autora, uma das
primeiras reflexões sobre o populismo no Brasil se encontra em um ensaio
intitulado "O que é o ademarismo?", que se refere ao político
paulista Adhemar de Barros. Nesse ensaio, Gomes identifica duas formulações a
respeito do fenômeno populista que permaneceram vivas em muitas análises de
intelectuais brasileiros. A primeira formulação caracteriza o populismo como
uma "política de massas", na qual os trabalhadores proletarizados não
possuem uma organização e consciência adequadas de classe, estando sujeitos ao
processo de massificação empreendido pelos líderes populistas. Segundo essa
visão, apenas com a formação de uma verdadeira consciência de classe, a
massificação poderia ser superada e os trabalhadores poderiam defender seus
verdadeiros interesses.
A segunda formulação diz respeito
a um enfraquecimento das classes dominantes, que perderam seu poder de referência
para com as outras classes sociais e necessitam do auxílio de um líder
populista carismático, capaz de conquistar o apoio político e mobilizar as
massas emergentes a favor de sua própria subordinação.
Resumindo, Ângela de Castro Gomes
analisa a trajetória do conceito de populismo no Brasil, apontando para o seu
deslizamento do espaço acadêmico para o senso comum e para os meios de
comunicação. Ela destaca a origem do conceito na década de 1950, em um período
de reflexão acadêmica sobre as estruturas do poder nacional. Além disso, a
autora identifica duas formulações a respeito do fenômeno populista, que ainda
hoje influenciam as análises de muitos intelectuais brasileiros.
Dentro do campo da "Nova
História Política", Jorge Ferreira defende que é necessário superar o
paradigma predominante no meio acadêmico que apresenta a história política
brasileira entre 1930 e 1964 por meio de representações negativas, tais como
"período populista", "Estado populista", "pacto
populista" e "populismo na política brasileira". Ferreira
argumenta que as primeiras concepções sobre o conceito de populismo tinham como
base a teoria da modernização, inspirada em Gino Germani e Torcuato Di Tella nos
anos de 1950-1960. Segundo Ferreira, Germani e Di Tella localizaram no processo
de "transição" social uma centralidade atribuída ao papel do
"mundo rural". O populismo ou os movimentos
"nacional-populares" teriam como origem a "invasão" ou o
deslocamento das populações do campo para as cidades, para o mundo
"urbano-industrial". Os líderes populistas apresentariam uma
ideologia "mesclada" entre os valores "tradicionais" e
"modernos", num momento histórico no qual as sociedades ainda não
configurariam instituições e ideologias classistas e autônomas. Contudo, as
lideranças populistas seriam substituídas por outras lideranças portadoras de
ideias classistas quando o capitalismo alcançasse a maturidade na região.
A efetividade da
"manipulação" populista estaria, segundo Ferreira, também ligada ao
contágio das ideias "tradicionais" e "individualistas" dos
migrantes rurais nos trabalhadores urbanos. Nas análises tradicionais, a
sociedade "atrasada" seria "o ambiente em que teriam proliferado
os líderes populistas". Octavio Ianni, em seu livro "O colapso do
populismo no Brasil", corrobora com a hipótese do "atraso" do
operariado brasileiro vinculado às influências dos migrantes do campo. O autor
atribui à "composição rural-urbana do proletariado industrial" um fator
explicativo da "inexperiência dessa parte do povo brasileiro". O fato
de "seu horizonte cultural" estar "marcado pelos valores e
padrões do mundo rural" é um dos elementos constitutivos da "política
de massas", característica do populismo. Juntamente com Di Tella,
encontraríamos no processo migratório do campo para a cidade um fenômeno por
eles caracterizado como "revolução das expectativas", uma espécie de
"ressocialização" das massas de migrantes, sujeitas então "à
aceitação dos mais diversos e heterogêneos valores socioculturais, inclusive os
especificamente políticos". Somado a este processo, encontrar-se-ia ainda
a não efetividade das instituições da democracia representativa, o que
possibilitaria "o sucesso da arregimentação das massas marginais, ou
classes populares, pelo populismo", visto muitas das vezes como
"descompasso, retrocesso ou distorção" no rumo a uma "democracia
representativa de participação total".
Weffort enfatiza que o populismo
não deve ser visto como uma aberração da história, mas sim como uma forma
particular de expressão política da emergência popular no processo de
desenvolvimento social e urbano. Nesse sentido, é importante entender a
complexidade das relações entre as classes sociais, que se manifestam como
relações individuais no populismo. É nesse contexto que surge a noção de
"manipulação", que se refere à ambiguidade política do fenômeno
populista, que apresenta diversas facetas, muitas vezes contraditórias.
No entanto, Weffort destaca que a
manipulação nunca foi absoluta, e que a visão liberal elitista que enxerga o
populismo como uma aberração da história é simplista e reducionista. É
fundamental compreender que o populismo é também uma forma de estruturação do
poder para os grupos dominantes, além de ser uma forma de expressão política da
emergência popular.
Para compreender até que ponto os
interesses reais das classes populares foram atendidos pelos líderes populistas
e até que ponto elas serviram passivamente de "massa de manobra" para
os grupos dominantes, é necessário analisar concretamente o processo político
brasileiro e a relação entre as classes sociais. Weffort destaca que as leis
trabalhistas foram interpretadas como uma "doação" de Vargas ao setor
popular mais combativo e com experiência de organização, o operariado urbano,
visando à manipulação desse setor disponível. No entanto, para as massas
populares, a legislação significaria a primeira forma pela qual elas veriam
definida sua cidadania e seus direitos de participação nos assuntos do Estado.
Ao longo do "período populista", desde a Revolução de 30 até o golpe de 1964, as massas populares foram o "parceiro-fantasma das elites" no "jogo político", segundo Weffort. Os grandes embates desse período foram sempre resolvidos entre os quadros políticos dos grupos dominantes, mesmo nos momentos de maior crise política e social. Mesmo os agrupamentos mais radicais, durante o acirramento das lutas pelas reformas de base em 1963, procuravam fórmulas que tornassem desnecessária a participação das massas populares.
Portanto, é fundamental compreender a complexidade das relações entre as classes sociais no contexto do populismo, a fim de evitar uma visão simplista e reducionista desse fenômeno político.
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