1.1 Criação
Como já dito acima, a necessidade de se ter um órgão mediador de conflitos internacionais surgiu desde o momento em que as sociedades começaram a se relacionar.
Antes da criação da Organização das Nações Unidas, havia a Sociedade de Nações, também conhecida como "Liga das Nações", concebida durante a Primeira Guerra Mundial, em 1919, de acordo com o Tratado de Versalhes, com o objetivo de atingir a paz e segurança com cooperação internacional. [02]
Com a ocorrência da Segunda Guerra Mundial, o órgão deixou de atender aos anseios políticos da época, surgindo a idéia do estabelecimento de uma nova instituição que a substituísse, durante as conferências dos países aliados na Guerra.
O ideal expresso na Liga das Nações, através dos Quatorze Pontos do presidente democrata Woodrow Wilson, foi retomado em meados de 1943, numa conferência de Aliados realizada em Moscou, pelo então Presidente norte-americano Franklin Roosevelt [03], imprimindo a estratégia política do país de acabar com o colonialismo e implementar a globalização, abrindo o mundo ao comércio e aos investimentos, mas garantindo a paz e a segurança mundial. [04]
Naquele momento, o mundo necessitava de algum órgão que pudesse negociar qualquer tipo de conflito, pois a Segunda Guerra Mundial havia deixado as tenebrosas cicatrizes do nazi-fascismo, com mais de 50 milhões de mortos. De acordo com a pesquisadora do Núcleo de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, Denilde Oliveira Holzhacker, entrevistada por Elisa Marcone e Francisco Bicudo:
"Havia um consenso sobre a necessidade de construção de uma ordem internacional baseada na idéia da cooperação. (...) Depois do fracasso da Liga das Nações, nascida depois da I Guerra, e que não conseguiu evitar a II Guerra Mundial, os Estados Unidos e a Europa perceberam que era preciso criar um organismo que tivesse instrumentos de ação mais bem definidos para gerenciar a paz mundial." [05]
Nesse cenário, foi elaborada a Carta de São Francisco ou Carta das Nações Unidas, em junho de 1945, na cidade de São Francisco (EUA), criando a Organização das Nações Unidas, que foi fundada oficialmente em 24 de outubro do mesmo ano, em Nova Iorque, com o objetivo supremo de ser a "entidade máxima da discussão do Direito internacional e fórum de relações e entendimentos supranacionais" [06], contando com 51 países-membros originais. [07]
A Carta correlaciona todos os princípios e objetivos das Nações Unidas, além de diretrizes para manutenção da paz e segurança mundiais. O mesmo documento também trata do regimento interno do órgão, com suas ramificações administrativas e respectivos poderes, critérios para se tornar membro, convênios e possibilidade de retificação e ratificação da Lei.
Além disso, determina expressamente que:
"... todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas". [08]
Apesar de sua atual sede ser em Nova Iorque, a primeira Assembléia Geral ocorreu em 10 de janeiro de 1946, no Westminster Central Hall, em Londres [09], demonstrando a preocupação latente com a manutenção da paz após a sangrenta II Guerra Mundial.
Atualmente, conta com cada um dos países soberanos internacionalmente e plenamente reconhecidos, excluídos o Vaticano, pela conduta observadora e Taiwan, por exemplo, por ser território reclamado pela China.
1.2 Sistema Organizacional
O regimento interno da ONU está presente na Carta das Nações Unidas, assinada em 1945, dos artigos 07 a 32. É um sistema centralizado, composto por:
. Assembléia Geral;
. Conselho de Segurança;
. Conselho Econômico e Social (ECOSOC);
. Conselho de Tutela;
. Tribunal Internacional de Justiça;
. Secretariado.
Além disso, possui ramificações, com vários órgãos e programas, na luta contra as drogas (PNUFID) e a favor dos refugiados (ACNUR), da humanidade (UNICEF, PMA, PNUMA, PNUAH, ACNUDH), da infância (UNICEF), da saúde (ONUSIDA), da mulher (UNIFEM), da educação (UNSSC, UNU), do comércio e desenvolvimento (UNCTAD, PNUD, GNOPS), tendo ainda um órgão de voluntariado, o VNU.
Há também institutos de estudo e pesquisa, para desenvolvimento social (UNITAR), avanço da mulher (INSTRAW), crime e justiça (UNICRI), treinamentos (UNIDIR), desarmamentos (UNRISD), dentre outros.
Suas comissões orgânicas são divididas da seguinte maneira:
". Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento;
. Comissão para os Direitos Humanos;
. Comissão do Desenvolvimento Rural;
. Comissão de Estatística;
. Comissão de Estupefacientes;
. Comissão do Estatuto das Mulheres;
. Comissão para a População e Desenvolvimento;
. Comissão de Prevenção e Justiça Criminal;
. Comissão para o Desenvolvimento Sustentável." [10]
Para atender às particularidades de cada região, foram criadas as Comissões Econômicas Regionais, para a Europa (CEE), África (CEA), América Latina e Caribe (CEPAL), Ásia Ocidental (CESAO), Ásia e Pacífico (CESAP, sendo esta também social) e a FNUP, como fórum para as Florestas.
Por fim, possui colaboração de outros órgãos conexos e organismos especializados, como a OMC (Organização Mundial do Comércio), a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Grupo do Banco Mundial, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), dentre muitos outros.
De acordo com Paulo Fagundes Vizentini:
"Um grupo de organizações econômicas associadas, ditas de Bretton Woods, como o FMI, o Banco Mundial e o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, desde 1995 OMC), mantém certa autonomia e é fortemente influenciado pelos EUA. Organizações especializadas como OIT (trabalho), FAO (alimentação), Unicef (infância), Unesco (ciência, educação e cultura) e OMS (saúde) prestam serviços relevantes à humanidade, além de outras organizações técnicas na área da aviação, postal, meteorologia, etc, também vinculadas à ONU." [11]
A Assembléia Geral é constituída por todos os Estados membros, segundo o artigo 9º da Carta, tendo cada um direito a um voto, podendo, segundo o artigo 10, "discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos", além de fiscalizar seus órgãos, reunindo-se anualmente e em sessões especiais, de acordo com a situação (artigo 20).
O Conselho Econômico e Social é composto por 54 membros, eleitos pela Assembléia Geral por um período de três anos e fica com o encargo de realizar "estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembléia Geral, aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas" (artigo 62).
O Conselho de Tutela, formado por membros do Conselho de Segurança e membros que administravam ou não os territórios sob tutela(estes eleitos pela Assembléia Geral), conforme artigo 86 da Carta, era o órgão responsável por tornar territórios tutelados em países soberanos que, por conseqüência, passariam a fazer parte das Nações Unidas. Como, em 1994, tornou o último território tutelado de Palau, no Pacífico, um país soberano, encerrou suas atividades como o órgão de maior sucesso das Nações Unidas.
O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça, sediado em Haia, é o principal órgão judicial da organização, sendo consultado também quando a Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança necessitarem de esclarecimentos de ordem jurídica, de acordo com artigo 92 e seguintes da Carta da ONU. Seu Estatuto está anexo à Carta e sua composição prevê adesão de todos os membros das Nações Unidas, além daqueles que aderirem ao Estatuto, como a Suíça. Ultimamente, vem recebendo críticas pela adesão automática ao se tornar membro da ONU, além de não aceitar denúncias de indivíduos, o que facilita a politização do órgão.
O Secretariado é responsável pela administração da ONU e contará, segundo artigo 97 da Carta, com o pessoal exigido pela Organização e um Secretário-Geral, que será o principal funcionário administrativo, a ser indicado pela Assembléia Geral mediante a recomendação do Conselho de Segurança. Sua função torna-se muito importante, pois é ele quem elabora o relatório anual à Assembléia Geral sobre os trabalhos da Organização, tendo que participar de todas as reuniões, além de poder, segundo o artigo 99, "chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais."
Após descrevermos todos os outros órgãos principais da ONU, chegamos ao mais importante e polêmico, o Conselho de Segurança. O órgão, que possui a função de garantir a paz e segurança mundiais, é atualmente composto por quinze Estados, sendo cinco membros permanentes e o restante escolhidos por grupos regionais e confirmados pela Assembléia Geral pelo período de dois anos, não podendo ser reeleitos para o período imediato.
O artigo 27, § 3, da Carta, estabelece que todas as decisões devem ter 9 votos, exigindo os votos afirmativos dos membros permanentes. Assim, China, França, EUA, Reino Unido e Rússia, possuem um poder de veto, pois sem a aprovação total de todos eles, nenhuma decisão é tomada no Conselho.
É nesse aspecto que temos firmada a controvérsia que gerou toda a discussão acerca da urgência por modificações no Conselho de Segurança, pois o poder dado aos membros permanentes por várias vezes é utilizado em estratégias políticas que assegurem seus interesses particulares.
1.3 Importância Histórica
O assunto guerra já foi trazido à baila durante a história, pois é uma conduta que sempre existiu entre os povos. Nos anos entre 12.500 A.C e 10.000 A.C, já havia resquícios de guerra no Sudão e, somente nos últimos duzentos anos, acorreram mais de 370 guerras, em todo mundo. [12]
Os líderes mundiais no decorrer das eras perceberam a gravidade da situação e começaram a divulgar a urgência acerca de necessárias delimitações para uma situação que, muitas vezes, não pode ser evitada, mas deve ser controlada.
A importância do Direito Internacional nas Guerras fez-se perceptível, graças à Convenção de Haia (1907) [13], à Convenção de Genebra (1949 e 1977) [15] e, ainda, à Convenção de Nova York (1981 e 1993).
Assim, a Organização das Nações Unidas, tem um papel fundamental nas relações entre países. No início, havia uma superioridade numérica de países ocidentais que passava uma idéia de desigualdade ao órgão, mas depois, com a entrada de países de Terceiro Mundo e socialistas, nos anos 50 e 60, foi assegurado um maior equilíbrio e aumentou a credibilidade na busca da paz mundial.
Não podemos deixar cair em esquecimento todas as vitórias e avanços conquistados pela ONU durante a história. Primeiramente, deu a países pequenos e subdesenvolvidos a oportunidade de se impor, de participar das importantes decisões sobre a paz mundial, afinal também fazem parte do mundo e merecem, tanto quanto os países influentes, fazer parte das decisões que modificarão o cenário mundial.
Na palavras de Márcio Henrique Pereira, ao citar Boutros-Gali, ex-Secretário-Geral da ONU:
"Já em 1995, Boutros-Gali, ao visualizar uma nova ordem mundial democrática a basear a atual sociedade global, passa a elevar as aspirações democratizantes das Nações Unidas definitivamente a nível global quando reivindica uma participação cada vez maior de atores não-estatais em organismos internacionais. Sob este prisma, a participação de organizações não-governamentais é vista como garantia da legitimação política desses organismos." [16]
Além disso, somente sua existência já traz certa tranqüilidade e conforto, pois não há mais, mesmo após a Guerra no Iraque [17], uma situação de crise constante, como no pré-II Guerra, onde cada país se armava ilimitadamente no intuito de atacar outro a seu bel-prazer.
Também não há no mundo atual nenhum órgão que possa substituí-lo, pois até mesmo os países mais fortes agem de acordo com seu interesse particular, não conseguindo ser imparcial. Segundo John Dugard, relator das Nações Unidas para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados Palestinos:
"Infelizmente, os Estados Unidos não estão preparados para fazer o papel de promotor da paz na região, o que torna a UE e a ONU os mediadores óbvios entre israelenses e palestinos, embora sua capacidade para fazer isso, sendo parte do Quarteto [18], seja muito questionável. (...) Apesar de serem seriamente questionadas pelos palestinos(...), continuam sendo as mais apropriadas para obter a paz e promover os direitos humanos na região." [19]
Citando novamente a pesquisadora Denilde Oliveira Holzhacker, na Guerra no Iraque, a ONU foi fundamental ao estabelecer a ligação entre a população e as novas instituições do país, auxiliando inclusive em sua reconstrução. Durante a história, "a ONU trouxe para o cenário internacional a agenda dos temas sociais"; foi imprescindível na publicação da Declaração Universal de Direitos do Homem; auxiliou na convicção de que os direitos são também econômicos, sociais e culturais; reforçou a idéia de direito à vida com dignidade.
Segundo o embaixador do Brasil no Reino Unido, José Maurício Bustani, em entrevista ao repórter Hélio Contreiras:
"Só com uma ação multilateral, coordenada pelas Nações Unidas, as facções iraquianas sentirão que se trata, realmente, de um esforço internacional de paz e que há um verdadeiro consenso internacional pela normalização do país. (...) A única maneira de se reconstruir o Iraque é em uma situação de tranquilidade.(...) A vontade internacional é esta, refletida pelo papel da ONU. Espera-se que este horror não se repita e, sem o comando da ONU, será muito difícil restabelecer a tranquilidade no país. O atentado serve para mostrar que a ONU não pode ser considerada dispensável. O alvo não foram as Nações Unidas. O ataque indica que a reconstrução não pode ser feita no esquema em vigor." [20]
Entretanto, o Direito Internacional vem perdendo credibilidade, pelo desrespeito contínuo de alguns países às regras estabelecidas ao longo dos anos. Houve também fracassos que podem ser atribuídos à ONU, mesmo antes dos Estados Unidos invadirem o Iraque sem sua permissão, em 2003.
A lentidão da Organização já custou ao Líbano um número maior de mortos, pelo conflito ter se prolongado mais do que deveria. Isso também diz respeito à Coréia do Norte, que a cada dia avança na tecnologia da bomba atômica, sem que a ONU tome nenhuma providência severa e urgente. [21]
Mesmo com os mais variados países membros, a ONU foi incapaz de lidar com as diferenças regionais de cada parte do mundo. As peculiaridades culturais e políticas de cada espaço tornam extremamente difícil uma mudança de cenário significativa, principalmente em lugares de acesso reduzido, como em todo o continente africano.
Além disso, a ONU, da maneira em que se encontra, é ineficaz ao tentar solucionar o conflito árabe-israelense e pacificar a reconstrução do Iraque, ou seja, além de não conseguir evitar guerras, ainda possui dificuldades em gerenciar a paz através de suas missões humanitárias.
De acordo com Fábio Konder Comparato, professor da USP, citado por Márcio Henrique Pereira:
"Desde o primeiro momento, a ONU assumiu duas funções principais: a manutenção da paz internacional e a cooperação para o desenvolvimento econômico e social das nações, principalmente apoiando a reconstrução dos países destruídos pela guerra. (...) No entanto, por quatro décadas a intenção de seus fundadores s viu sufocada pelas rivalidades da Guerra Fria e, em matéria de guerra e paz, a Organização ficou quase completamente paralisada pela freqüente ameaça ou uso do veto pelos membros permanentes do Conselho de Segurança". [22]
De qualquer maneira, diz Denilde, "sua existência é de fato imprescindível, apesar de ser marcada por derrotas e vitórias". Isso quer dizer que, embora acusada de não resolver alguns sérios problemas mundiais, foi a única organização que obteve êxito em evitar inúmeros conflitos e, ao menos, dificultou muitos outros.
2 O Conselho de segurança
O Conselho de Segurança veio com a criação da ONU para poupar as gerações futuras do horror da guerra, de maneira ágil e eficaz, tornando-se o "principal órgão responsável pelas decisões finais quando o assunto é paz mundial". [23]
O órgão, de acordo com artigo 23 da Carta, é destinado à "manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização", agindo "de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas." Especificamente, deve atentar-se à solução pacífica de controvérsias, ação relativa a ameaças a paz, rupturas da paz a atos de agressão, aos acordos regionais e ao sistema internacional de tutela.
Para isso, o Conselho pode utilizar de meios pacíficos ou não para solução de controvérsias, sendo este segundo a exceção apenas para os casos de ações militares de segurança coletiva sob o controle do Conselho de Segurança da ONU (arts. 39 a 48), legítima defesa (art. 51) ou libertação nacional.
Entretanto, nas palavras do Embaixador do Brasil em Londres, José Maurício Bustani, citando Paul Kennedy, o órgão sofreu clara influência das grandes potências do pós-Segunda Guerra:
"(...) o CS foi criado a partir de exigências das grandes potências. Prevaleceu a noção de que o mundo estaria dividido entre Estados "consumidores de segurança" e "provedores de segurança". Daí a distinção, na composição do CS, entre membros não-permanentes e membros permanentes. Buscou-se, ainda, assegurar a adesão das grandes potências à ONU, para não se repetir a malograda experiência da Liga das Nações." [24]
De qualquer maneira, "é o CS o órgão que concentra o poder do sistema multilateral de nações, o qual decide, entre outras coisas, o estabelecimento de embargos e sanções a países ou constituição de forças de intervenção militar, dentre outras questões. Apesar de sua legitimidade abalada pela guerra unilateral dos EUA, segue sendo o órgão central de poder do sistema; daí sua relevância." [25]
2.1 Membros
Como já dito, o Conselho é composto por dez membros rotativos, eleitos pela Assembléia Geral para mandatos de dois anos, além de cinco membros permanentes, quais sejam, EUA, China, Reino Unido, Rússia e França.
A escolha dos membros permanentes foi automática e óbvia, pois foram eles os países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Já a China, foi elevada à potência por Washington, na tentativa de evitar o ressurgimento do Japão, derrotado na Guerra:
"De 1949 a 1971 a representação chinesa no CS foi ocupada por Taiwan e, depois, pela República Popular da China, o que reforçou a atuação do Terceiro Mundo, particularmente quando os países árabes ganharam mais força devido ao primeiro choque petrolífero (1973)." [26]
Assim, por lhe serem conferidas esse status, são altamente poderosas na sistematização da ONU, com poder supremo de vetar quaisquer resoluções que possam ir contra seus interesses. Isso traz desconforto e desconfiança aos outros membros não permanentes, que lutam para obter a mesma regalia desses países, mas sem lograr êxito algum:
"...iniciou-se a discussão sobre a ampliação do CS, pois a era do segundo pós-guerra encerrara-se, buscando-se integrar Alemanha e Japão, num movimento em que países em desenvolvimento como Brasil e Índia tentaram também obter assentos permanentes. A fase de indefinição nos rumos da Organização durou todos os anos 90, mas com as ações unilaterais do governo Bush, especialmente na crise do Iraque, a organização ganhou nova legitimidade, embora esteja enfraquecida." [27]
De qualquer maneira, todas as decisões têm que passar pelo crivo dos membros permanentes, que não aceitarão um novo membro tão facilmente. Além disso, uma composição mais equilibrada do Conselho de Segurança somente poderia ser alcançada através da intervenção da Assembléia Geral, que conta com todos os estados-membros, que possuem interesses antagônicos e raramente apoiarão um novo membro permanente sem possuir segundas intenções.
2.2.Veto
O artigo 27, § 3, da Carta das Nações Unidas preceitua o seguinte:
"3. As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar."
Isso quer dizer que a decisão sobre qualquer questão somente será aprovada se houver voto afirmativo de nove membros, sendo obrigatória a aceitação total dos membros permanentes. Dessa maneira, se algum desses membros votar "não", estará vetando, ou seja, impedindo a adoção de uma resolução. Já a abstenção, também possível, de um membro permanente não configura veto.
O único problema é que os países-membros permanentes, na maioria das vezes, utilizam-se do veto para alcançar interesses particulares ou fazer aflorar mágoas do passado.
A Rússia, por exemplo, já utilizou do veto para confrontar os Estados Unidos durante a Guerra Fria e a China sempre se opõe a qualquer resolução em favor do Japão.
Ao se apresentar uma resolução ao Conselho de Segurança, o presidente do Conselho primeiramente pergunta quem está a favor e os membros levantam a mão, se aprovarem. Somente então vem a pergunta de quem está contra e quem se abstém. Nesse sistema de voto aberto, abre-se vasta margem à manobras políticas dos membros permanentes.
Exemplo curioso vem da França, que vetou a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, demonstrando ser contra a Guerra, mas mudou de opinião posteriormente, ao dar voto negativo quando a ONU tentou punir o país por ter desobedecido a suas ordens. Isso ocorreu devido à ameaça dos Estados Unidos em não deixar a França participar dos dividendos obtidos no Iraque, além de um possível "boicote às escuras" aos produtos franceses.
Historicamente, a maioria dos vetos franceses se somou aos dos Estados Unidos e Reino Unido, os países de maior influência tanto na ONU como no mundo atual. A Rússia é a recordista em vetos, contando com 122 ocasiões em que deu voto negativo. Já a China foi a que menos vetou, em somente cinco ocasiões, como por exemplo, em 1997, ao impedir o envio de observadores à Guatemala para verificar o suposto fim da guerra que lá ocorria.
Com tais jogos políticos, várias tentativas de punição têm sido proibidas pelos votos de alguns dos membros permanentes do Conselho de Segurança, deixando a idéia de que ninguém é obrigado a cumprir as determinações do órgão, pois nada ocorrerá em retaliação. Quando Israel bombardeou um posto de observação da própria ONU, em julho de 2006, não houve nenhuma punição, exatamente porque os Estados Unidos, como membro permanente, vetou a resolução, pois apóia o país.
Interessante também atentar ao fato de que todos os países membros permanentes, juntamente com a Alemanha, estão entre os recordistas em exportação de armas, no período entre 1993 e 1997, demonstrando que uma guerra não seria mau negócio para eles, economicamente falando. [28]
Segundo o professor da USP, Fábio Konder Comparato:
"A ONU não é um órgão supranacional, por isso está limitada pela soberania dos Estados, que nem sempre possuem compatibilidade cultural e ideológica ou interesses comuns para gerar o consenso necessário a uma ação coletiva...Durante seus primeiros quarenta anos, os conflitos eram numerosos, mas o uso do veto fez com os mecanismos que permitiam o uso da força para cessar com as disputas internacionais ficassem congelados". [29]
Contudo, é fácil entender a sistematização dos votos se observarmos a história. No momento em que a ONU foi criada, o mundo passava por graves transformações e havia a urgência em impedir que os países derrotados pela Segunda Guerra pudessem se reerguer e proceder à novos conflitos. Por isso, criou-se a obrigação de que os membros permanentes aprovassem unanimemente cada resolução, impossibilitando que os outros membros fizessem alianças que pudessem prejudicar a paz mundial.
Após todos os "conchavos" e manobras políticas, é notória a necessidade de mudança, pois atualmente, de acordo com João Cláudio Garcia:
"a ONU finge que suas ações têm algum efeito, enquanto Jerusalém, por exemplo, decide com os Estados Unidos até quando o conflito vai durar, apesar do extermínio de civis. Enfraquecida e desrespeitada dessa forma, a Organização das Nações Unidas perde moral para fazer cumprir suas determinações em outros impasses, como o programa nuclear iraniano". [30]
O Brasil na ONU
O Brasil faz parte da ONU desde sua criação, sendo um dos 51 países fundadores. Com o passar dos anos, sua participação ficou cada vez mais significativa, tendo participado, inclusive, do Conselho de Segurança como membro não-permanente, por nove mandatos, tornando-se o país que mais foi eleito desde a criação do órgão. [31]
Vendo a hegemonia dos membros permanentes sobre o Conselho de Segurança, pelo poder do veto, o país iniciou uma campanha para ampliação desses membros, após o fim da Guerra do Golfo em 1991, primando pela inclusão de países considerados líderes regionais, como Índia, Alemanha, Nigéria, África do Sul e o próprio Brasil.
O movimento foi intensificado após a Guerra Fria e tomou mais força e adesões quando os Estados Unidos invadiu o Iraque e não sofreu nenhuma sanção por ter desrespeitado as ordens das Nações Unidas.
Seu próprio arranjo político permitiria ou ao menos não seria empecilho a sua entrada como membro permanente, pois a Constituição Federal de 1988 foi elaborada de acordo com as diretrizes das Nações Unidas, com valores democráticos e humanistas, além dos princípios de não-intervenção, autodeterminação dos povos, defesa da paz, igualdade, solução pacífica de conflitos e cooperação entre os povos.
Com a notícia de uma possível mudança no poder mundial, que poderia levar o Brasil a um lugar de destaque, o Brasil iniciou uma verdadeira cruzada em busca de apoio para uma eventual cadeira permanente. Várias visitas já foram feitas à China, na tentativa de conseguir uma parceira estratégica, além da Rússia e de países africanos, tendo inclusive perdoado dívidas de regimes autoritários na intenção de angariar defensores. [32]
O Brasil também vem tentando mostrar sua influência em assuntos mundiais, como quando foi declarado pelo Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que o Brasil, como membro ou não do Conselho de Segurança, tinha obrigação de reunir os membros da ONU para tentar encontrar uma solução pacífica ao conflito no Iraque. Foi enviado, na época, um pedido ao Iraque, para que o mesmo cumprisse todas as exigências da ONU, a fim de demonstrar boa-fé, para manutenção da paz na região. [33]
Ainda na tentativa de arrebanhar aliados e buscar ser um membro permanente, o Brasil criou o G4, juntamente com Alemanha, Índia e Japão. Contudo, em agosto de 2005, China e Estados Unidos entraram em acordo para bloquear a proposta do grupo, obviamente porque o primeiro é contra a entrada do Japão e o segundo, contra a Alemanha.
Apesar do apoio de França e Reino Unido, a Argentina está contra o Brasil, o Paquistão se opõe a Índia, a Coréia do Sul vai contra o Japão e a Itália não quer a Alemanha como membro permanente. Com tantos obstáculos, culminando na saída do Japão em janeiro de 2006, as possibilidades de sucesso do G4 são quase nulas [34], mas seu raciocínio é lógico:
"O G4 (...) argumenta que essa estrutura de poder corresponde a uma fotografia antiga, do pós-II Guerra. O mundo mudou, dizem, há uma série de outras potências com funções regionais muito importantes, e a ONU deve acompanhar essa evolução e democratizar suas estruturas de funcionamento. O mais difícil talvez seja encontrar o consenso sobre quem participaria dessa nova correlação de poder, caso a ampliação fosse aceita". [35]
Discute-se ainda qual seria a importância da inclusão do Brasil como membro permanente, pois isso provavelmente acarretaria em maiores gastos com segurança e comprometimento internacional às causas de certos países. Citando Christian Lohbauer, membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP:
"Fazer parte do Conselho de Segurança implica tomar decisões políticas complicadas. Adoção de sanções e autorização de intervenções militares são atribuições do Conselho. A tradição não-intervencionista, low-profile e negociadora do Brasil nas tensões que marcaram o mundo nos últimos 50 anos teria de mudar. (...)Fazer parte do Conselho também implica gastos maiores para a manutenção de forças de paz e de recursos para a própria manutenção da burocracia da ONU. (...)Finalmente, fazer parte do Conselho significa assumir uma liderança latino-americana que não possui imediata aceitação em muitos países da América Latina. México e Argentina certamente não se veriam confortáveis representados pelo Brasil em eventual novo Conselho". [36]
Dentre os defensores do Brasil por uma cadeira permanente na ONU, temos os aspectos geográficos e econômicos, pois é apenas automático que um país dessa magnitude seja membro permanente, no que diz respeito a PIB, população, tamanho e política externa.
Além disso, o país pode contribuir para desconcentrar o poder e equilibrar a representatividade no Conselho de Segurança, pois é um país em desenvolvimento que possui alta influência na América Latina, principalmente quando o assunto é MERCOSUL, num multilateralismo na solução de controvérsias entre as nações.
É claro que a cadeira permanente proporcionaria ao Brasil mais influência e força, principalmente diante do MERCOSUL. Contudo, deve-se discutir se o país realmente representaria toda a América do Sul se fosse inserido no Conselho de Segurança, pois o continente possui uma gama imensa de diversidades culturais e políticas.
De qualquer forma, a possibilidade de inclusão do Brasil como membro permanente está longe de ser concretizada, pois não há sequer certeza de que a questão será levada a Assembléia Geral, mas é notória a impossibilidade de deixar o Conselho de Segurança nos moldes em que se encontra, nos "atropelos das grandes potências que deslegitimem os interesses coletivos em nome de seus interesses individuais, travestidos em pretextos nobres".
LEMOS, Vanessa Dias. O conselho de segurança da ONU frente às necessidades do mundo atual. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1723, 20 mar. 2008. Disponível em:
Comentários
Postar um comentário