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ENAD Questões comentadas




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1.   A partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes rupturas. Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais. Desde cedo o novo governo tratou de centralizar em suas mãos tanto as decisões econômico-financeiras quanto as de natureza política. Desse modo, passou a arbitrar os diversos interesses em jogo. O poder de tipo oligárquico, baseado na força dos Estados, perdeu terreno. As oligarquias não desapareceram, nem o padrão de relações clientelistas deixou de existir. Um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico.

FAUSTO, B. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002, p. 182.


A partir das afirmações de Boris Fausto, elabore um texto dissertativo abordando os seguintes aspectos:

a) definição do poder oligárguico brasileiro;
b) principais características do Estado após 1930.  


Resposta:

Elaborar um texto dissertativo, abordando os seguintes aspectos:

a) Definição do poder oligárquico brasileiro, mencionando pelo menos dois dos tópicos abaixo:

- baseado na força, poder, autonomia dos Estados regionais frente ao Estado federal fraco;
- poder pulverizado nas diversas oligarquias políticas estaduais, sendo as principais as de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, ou seja, a irradiação do poder ocorria da periferia (governos estaduais) para o centro (governo federal);
- poder baseado na economia agroexportadora;
- poder marcado pelo coronelismo, clientelismo, desigualdade social, impossibilidade de os cidadãos efetivarem seus direitos, precariedade ou inexistência de serviços assistenciais do Estado, o que tornava os cidadãos reféns dos favores políticos da oligarquia.

b) Indicar as principais características do Estado pós 1930, mencionando pelo menos dois dos tópicos abaixo:

- centralização do poder político no governo federal;
- irradiação do poder do centro para a periferia (governos estaduais);
- atuação econômica intervencionista do Estado, voltada para os objetivos de promover a industrialização, inclusive a indústria de base;
- atuação social, como a criação de legislação trabalhista;
- papel central atribuído às Forças Armadas, como fator de garantia da ordem interna;
- fortalecimento de uma nova elite formada por militares, tenentistas, técnicos diplomados, jovens políticos e industriais.  



  
2.   Contavam os meus avós, que os avós deles vieram pegados da África. Naquela época, eles residiam em Moçambique. E lá entraram os portugueses, para pegar pra trazer como escravo. (...) Meu pai contava do bisavô dele. Chegava de noite no tempo frio faziam fogo pra esquentar... Ficava tudo sentado assim em roda do fogo, ficava aquele mundo de... netaiada de preto, e então aqueles avós, que tinham vindo da África, começavam a contar história da África. (...) Os meus pais não foram escravos. Acho que eles foram ventre livre. O puro mesmo é aquele que veio da África. Meus bisavós vieram de Moçambique. Contam que ficavam entre eles, conversando a língua deles, quando o senhor via que eles estavam conversando na língua africana, gritava! Não era para falar mais. Tiveram que perder a língua a força. Não era para falar mais, então falavam escondido. Quando queriam conversar na língua deles, conversavam escondido. Diz que ficavam olhando assim: “Senhor, olha o senhor lá!” E aí tinham que falar português, que eles não sabiam direito. Meu pai contava muito dos avós, mas não falava africano. Alguma palavra, ele contava pra nós era em língua africana, mas não falava mais nada. Não deixaram, foi proibido falar para os filhos não aprender. Os que vieram de lá não tinham licença para ensinar os filhos. Fizeram mesmo que acabasse a língua.

O testemunho oral representa o núcleo da investigação, nunca sua parte acessória; isso obriga o historiador a levar em conta perspectivas nem sempre presentes em outros trabalhos históricos, como por exemplo as relações entre escrita e oralidade, memória e história ou tradição oral e história.

Benedita, São Paulo, 80 anos, 15/08 e 16/08/1987. RIOS, Ana Lugão FERREIRA, M. M. e AMADO, J. Apresentação. Usos & Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.xiv.


Partindo da premissa de que história oral é metodologia de trabalho com fontes orais, o que requer procedimentos específicos de trabalho por parte do historiador, faça uma análise da narrativa de Benedita transcrita acima, a partir das seguintes perspectivas:

a) relação entre memória e história;
b) presença da tradição oral;
c) importância do uso de testemunhos orais para historicizar trajetórias individuais, eventos ou processos que não poderiam ser compreendidos de outra forma.  


Resposta:

a) Abordar a relação entre memória e história a partir de – pelo menos uma – das seguintes perspectivas: de que as memórias narradas são representações do passado, reconstruídas por Benedita a partir de lembranças familiares, principalmente aquelas contadas pelos avós e pais; de que sua narrativa foi construída a partir de memórias compartilhadas, de histórias que ouviu contar na infância, de histórias que ouviu contar não apenas na família, mas também em outras instâncias sociais. Pode também apontar para o fato de que a narrativa foi construída em cima de lembranças e, nesse sentido, são passíveis de ocultações, interpolações, enquadramentos, reelaborações etc. Também pode considerar a relação metodologicamente, ou seja, de que o historiador deve atentar para a interação entre essas duas dimensões de apropriação do passado (história e memória) e abordar historicamente o próprio processo de produção da memória.
b) Enfatizar que as lembranças de Benedita foram produzidas principalmente a partir de narrativas orais, histórias contadas pelo pai e avós e não escritas. A partir dessa consideração fundamental, as análises possíveis não se afastam daquelas entre memória e história. Convém, ao longo da análise, – deixar claro o entendimento da perspectiva solicitada na questão: história oral como metodologia.
c) Discutir esse item a partir de – pelo menos uma – das seguintes perspectivas: a história oral tornou possível a história de grupos excluídos da escrita da história por muito tempo: analfabetos, mulheres, crianças, miseráveis, prisioneiros, loucos, movimentos sociais, lutas cotidianas etc. Não por acaso a história oral emerge como movimento militante na década de 1960, sendo durante muito tempo, ligada a história dos excluídos, ou usada para escrever uma “história vista de baixo”; sobre os escravos no Brasil, tem-se poucos registros produzidos pelos próprios escravos, o mais comum são documentos oficiais e que possibilitam um horizonte menos amplo do cotidiano e relações desses sujeitos históricos na história do Brasil.



  
3.   Leia o texto abaixo, para responder à questão.

A história contemporânea, na tradição francesa que remonta ao século XIX, tem início com a Revolução francesa. A história do tempo presente é a que se refere ao passado próximo, aquele no qual existem ainda atores vivos. Antes de explicar o que é esta última, é preciso lembrar que a noção de “contemporaneidade” é tão antiga e tão problemática quanto a própria disciplina da história. (...) De um lado, só há história contemporânea, segundo a célebre afirmação de Benedeto Croce. Um historiador, como qualquer outro indivíduo, fala sempre sobre o passado no presente. Ele reconstitui os discursos e os atos do passado com linguagem, conceitos e preocupações que são as do seu tempo, e ele se dirige a seus contemporâneos. (...) Seu trabalho se inscreve assim em uma dialética, uma tensão entre as palavras do passado e as do presente.
De outro lado, o estudo da história do passado próximo remonta às origens da história enquanto empreendimento intelectual. As Histórias de Heródoto ou A guerra do Peloponeso de Tucídides são, em parte, histórias do tempo presente (...).
Até os anos 1970, esta história [do tempo presente] era vista com suspeita pelas instâncias acadêmicas. (...) A novidade da situação atual é que esta história é não somente reconhecida enquanto tal, independentemente da qualidade de sua produção, desigual como qualquer outra, como é também fortemente solicitada. (...)
A definição de história do tempo presente é a de ser a história de um passado que não está morto, de um passado que ainda está vivo na palavra e na experiência dos indivíduos, portanto, ligado a uma memória ativa e singularmente atuante (...). Esta história é um diálogo entre vivos e mortos, como toda narrativa histórica, mas ela repousa igualmente em um diálogo entre vivos, entre contemporâneos, sobre um passado que ainda não passou inteiramente, mas que já deixou de ser atual.

ROUSSO, Henry. La hantisse du passé. Paris: Éditions Textuel, 1998, p. 50, 57-8 e 63.


a) Na tradição historiográfica, afirma-se que toda história é “contemporânea”. JUSTIFIQUE.
b) IDENTIFIQUE a especificidade da “história do tempo presente”.
c) APRESENTE e ANALISE duas razões que explicariam, no momento atual, o crescente interesse das sociedades por uma “história do tempo presente”.  


Resposta:

a) Apresentar uma, entre as justificativas a seguir.

- Toda história pode ser considerada “contemporânea”, porque todo historiador elabora uma história do passado informado por questões de seu tempo presente. Assim o faz com as preocupações, o vocabulário, os conceitos e as teorias de que dispõe quando produz o conhecimento histórico, seja ele sobre a antiguidade ou os tempos modernos.
- A contemporaneidade na produção do conhecimento histórico se manifesta na relação entre as intenções do historiador e as expectativas de seus leitores. Assim, é com os olhos do presente que se vê o passado, sendo a narrativa histórica um produto dessa tensão entre tempos – passado, presente e futuro –, que é o horizonte de todo público leitor.

b) Apresentar uma, entre as especificidades a seguir.

- A noção de “passado” é uma construção intelectual da história e, na “história do tempo presente,” o passado é entendido como algo próximo, isto é, como um passado cujos sujeitos históricos ainda estão vivos e atuando nas sociedades, portanto, convivendo com o historiador.
- A “história do tempo presente” estuda um passado que “não está morto”, trabalhando com uma memória que ainda está muito atuante politicamente. Daí se dizer também que essa história envolve não apenas um diálogo entre vivos e mortos, como qualquer outra história, mas igualmente um diálogo entre vivos, no qual se inclui o próprio historiador.
- A “história do tempo presente” está associada à produção de novas metodologias e fontes, como as orais e memoriais, o que demarca crescentes e importantes diálogos com outras disciplinas.

c) Apresentar duas, entre as seguintes razões:

- a importância dos novos meios de comunicação de massa, impondo um número crescente de fatos sociais à observação das sociedades, em tempo praticamente real, e criando uma necessidade maior de explicações sobre um “passado próximo”, o que inclui a participação dos historiadores;
- a globalização do mundo, diminuindo distâncias e alterando as percepções de tempo e espaço, o que demanda o enfrentamento dessa nova sensibilidade de relacionar passado, presente e futuro, por parte das sociedades e dos historiadores;
- o impacto político e social de questões que envolvem as constantes migrações e vários acontecimentos traumáticos (guerras e massacres, por exemplo), que exigem uma visão histórica desse passado próximo, bem como sua ancoragem em um passado mais distante;
- o valor ampliado das inúmeras e variadas comemorações, apropriadas, nesse aspecto, pela grande mídia, tornando-se, como fenômeno, não só um objeto de estudo privilegiado da história do tempo presente, mas, também, fator impulsionador de sua propagação e reconhecimento nos meios acadêmicos.



  
4.   Gilberto Freyre foi dos primeiros estudiosos brasileiros a explorar os anúncios de jornal como fontes históricas. Ele mostrou como tais textos nos permitem conhecer as relações sociais existentes em determinado momento e lugar, as características dos trabalhadores e suas condições de trabalho.

Considerando esse contexto, leia os anúncios de jornal abaixo.

Aluga-se ou vende-se uma boa escrava, muito prendada, faz crochê, costuras, doces, lava, engoma e cozinha perfeitamente: tem uma filha de oito anos, ingênua; quem a pretender dirija-se à rua Halfeld, n. 32, loja.
O Farol, Juiz de Fora, Minas Gerais, 17/04/1883.


Alugam-se duas escravas, um moleque e um rapaz carpinteiro. Quem os pretender dirija-se à rua da Imperatriz, n. 32, Armarinho do Queiroz, junto ao Hotel Português.
O Farol, Juiz de Fora, Minas Gerais, 11/10/1883.


Uma família pequena precisa de uma criada de cor, livre ou escrava, que cozinhe perfeitamente o trivial e que saiba com presteza e asseio fazer os arranjos da casa. Para informações (...) rua Direita n. 18.
O Farol, Juiz de Fora, Minas Gerais, 02/02/1884.


Precisa-se de um cozinheiro, de conduta afiançada; branco ou de cor, livre ou escravo, para a casa do Dr. Eloy Ottoni, na rua da Imperatriz, n. 8.
O Farol, Juiz de Fora, Minas Gerais, 04/10/1883.


a) IDENTIFIQUE o nome, o local e as datas da fonte histórica utilizada e estabeleça relações entre tais informações e a situação política do sistema escravista no Brasil da época.
b) Homens, mulheres e também crianças integravam o mercado de trabalho no oitocentos. EXPLIQUE o que era uma criança “ingênua”, como a nomeada no primeiro anúncio.
c) COMPARE os elementos fornecidos pelo conjunto de anúncios, com o objetivo de CARACTERIZAR o tipo de trabalhadores e as formas de utilização da mão de obra, no mercado de trabalho urbano do Brasil de meados da década de 1880.


Resposta:

a) Identificar a fonte, apresentando as informações a seguir.

O nome do jornal é O Farol, publicado na cidade de Juiz de Fora, na então província de Minas Gerais, sendo todos os anúncios dos anos de 1883/1884.

No que se refere às relações entre a fonte e a situação política do sistema escravista no Brasil, na década de 1880, o aluno poderá apresentar uma, entre as seguintes relações:

- as datas dos anúncios informam ao historiador que se estava muito próximo ao término da escravidão, deslegitimada pela ação de um movimento abolicionista que se fortalecia e apontava para um fim certo, embora não claramente previsível, dessa instituição. É nesse contexto que o aluno deve entender os usos dos trabalhadores escravos e livres, exemplificados pelos anúncios;
- O Farol era um jornal da cidade de Juiz de Fora, centro comercial e manufatureiro da província de Minas Gerais, importante produtora e exportadora de café na época, e que por isso concentrou grande número de escravos até a abolição, o que aparece nos anúncios transcritos.

b) Uma criança “ingênua” era aquela nascida após a Lei do Ventre Livre (ou Lei Rio Branco), de 1871. Ou seja, uma criança que juridicamente não era mais escrava. Em função das condições sociais e políticas do país, tais crianças acabavam acompanhando seus pais escravos, sendo “libertadas” apenas quando da Lei Áurea, em 1888.

c) Comparando as informações fornecidas pelos anúncios, o aluno poderá apresentar uma, entre as características a seguir.

- Em meados do oitocentos, já havia uma demanda indistinta por trabalhadores escravos ou livres, brancos ou “de cor”, para se ocupar do mesmo tipo de tarefas. Isso evidencia a existência de um mercado de trabalho urbano onde conviviam entre si trabalhadores livres e escravos, brancos ou “de cor”, a que eram feitas as mesmas exigências.
- Os trabalhadores escravos eram usados nas mesmas tarefas desempenhadas pelos trabalhadores livres. Eles podiam ter o mesmo grau de qualificação que os livres, fossem brancos ou “de cor”. Eram muito usados no serviço doméstico, uma importante forma de absorver trabalhadores nas cidades do país, de um modo geral.
- Em meados do oitocentos, torna-se prática comum o aluguel de escravos, um negócio bom para o proprietário, que recuperava o capital investido, e bom para quem alugava o escravo, pois não tinha que imobilizar capital num momento em que se anunciava como próxima a abolição da escravidão.

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