João Goulart, o aumento do salário mínimo e o Memorial dos Coronéis
O cenário político que Getúlio
Vargas encontrou no início dos anos 1950 era bem mais difícil do que o
enfrentado por ele durante a década de 1930, uma vez que, no segundo caso,
governaria em um sistema político aberto e sem o apoio da maioria no Congresso.
A política trabalhista e o desenvolvimento econômico de cunho nacionalista que
tentaria implantar nesse segundo governo encontraria forte oposição no
Parlamento e nas Forças Armadas.
Apesar
dos esforços despendidos pelo presidente no sentido de atrair seus opositores
para o governo, em meados de 1952 já estava claro que a União Democrática
Nacional (UDN), principal partido de oposição, não abdicaria de sua posição
antigetulista. Esse quadro se agravaria com as tensões sociais provocadas pelo
aumento da inflação e do custo de vida, que atingia particularmente as classes
médias e o operariado. Diante da conjuntura política desfavorável e da
necessidade de adotar políticas antiinflacionárias e, portanto antipopulares,
Vargas decidiu, em junho de 1953, fazer uma reforma ministerial. Para o
Ministério do Trabalho, nomeou João
Vicente Belchior Goulart, conhecido como Jango.
João Goulart era um jovem estancieiro do Rio
Grande do Sul, que se havia aproximado muito de Vargas durante o período em que
este permaneceu em São Borja (1946-1950), e fora um dos principais
articuladores da sua campanha para a presidência da República. Principal
liderança do Partido Trabalhista (PTB) nos anos 1950, Jango era muito próximo
dos sindicatos e representava, na reforma de 1953, o esforço do governo para
neutralizar uma oposição de setores da esquerda que começava a despontar. Por
outro lado, o novo ministro da Fazenda, Oswaldo
Aranha, companheiro de Vargas desde a Revolução de 1930, defendia a
estabilização econômica, dispondo-se a desenvolver um programa
antiinflacionário.
Em janeiro de 1954, começou a crescer a pressão
dos trabalhadores pelo aumento do salário mínimo. Manter o salário em níveis
não inflacionários era condição indispensável para o êxito da política de
estabilização desenvolvida por Oswaldo Aranha nos últimos meses. Entretanto,
corriam boatos de que Goulart cederia às pressões populares e concederia um aumento
para o mínimo de cerca de 100%.
A resposta não demorou a chegar. No mês seguinte,
fevereiro de 1954, 82 coronéis e tenentes-coronéis, ligados à ala conservadora
do Exército no Rio de Janeiro, assinaram um documento que ficou conhecido como
Manifesto ou Memorial dos Coronéis. Nesse memorial, elaborado no dia 8 e
divulgado na íntegra pela imprensa 12 dias depois, os coronéis alardeavam a
"deterioração das condições materiais e morais" indispensáveis ao
pleno desenvolvimento do Exército, onde "perigoso ambiente de
intranqüilidade", começava a se alastrar. Os coronéis conclamavam seus
superiores a promover uma "campanha de recuperação e saneamento no seio
das classes armadas", com o firme propósito de restaurar os "elevados
padrões de eficiência, de moralidade, de ardor profissional e dedicação
patriótica, que (...) asseguravam ao Exército respeito e prestígio na
comunidade nacional".
O memorial protestava principalmente contra o
descaso do governo em face das necessidades do Exército, como, por exemplo, as
de remodelar instalações precárias em todo território nacional, reequipar as
unidades, cujo material bélico era em sua maioria obsoleto, e conceder reajuste
salarial aos militares, que viviam em "eterna disparidade" em relação
às forças armadas de outros países. Nesse sentido, teciam sérias críticas ao
aumento de 100% do salário mínimo proposto por Goulart, que provocaria
distorções salariais graves, fazendo com que um operário percebesse um salário
próximo ao de um oficial do Exército.
Ante
a repercussão do memorial nos meios políticos e militares, Vargas optou pela
substituição imediata de seus ministros da Guerra e do Trabalho, Ciro
do Espírito Santo Cardoso e João Goulart, ambos identificados com a
política nacionalista de seu governo e envolvidos diretamente na questão do
aumento salarial. Jango apresentou pedido de demissão, que foi aceito pelo
presidente em 22 de fevereiro de 1954, mas em 1o de maio Getúlio
anunciou em discurso inflamado o novo salário mínimo, nos termos propostos por
João Goulart.
Apesar do sucesso popular da medida, houve forte
reação do empresariado e dos meios políticos. Várias denúncias circulavam pelo
país, entre elas a de que existiria um acordo entre Perón,
Vargas e Goulart no sentido de implantar no país uma república sindicalista no
Brasil. A partir desse momento, a oposição civil e militar retomou o movimento
conspiratório que desembocaria na crise de agosto e no suicídio do presidente.
Célia Costa
Comentários
Postar um comentário