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Equidistância pragmática 3º ano texto 2 - 2º bimestre

O ESTADO NOVO E O "ALINHAMENTO" COM OS EUA
Para os credores externos do Brasil o advento do Estado Novo, em 1937, trouxe uma notícia desagradável: a suspensão do pagamento de dívidas comerciais (Moratória de’37), dos juros da dívida externa, além da decretação do controlo cambial. Tais medidas foram justificadas pela precariedade da balança de pagamentos e pela necessidade de se reequiparem as forças armadas.
Em consequência disso, uma parcela crescente dos "marcos de compensação" será utilizada para a compra de armamentos na Alemanha, tanto pela falta de dólares ou libras nos cofres públicos quanto pela deterioração da situação política internacional e os riscos, cada vez maiores, de um conflito na Europa.
Para os EUA, contudo, o ano de 1938 deixou claras as intenções alemãs na Europa: a expansão do "reich" segundo as teses de Haushofer e Ratzel através da enunciação dos conceitos de "lebensraum" e "raumsin", significava, na verdade a organização e consolidação do sistema de poder alemão. Assim, a partir de 1939, já convencido da iminência do conflito na Europa, Roosevelt empenhar-se-ia na consolidação do sistema de poder hegemónico americano.
É nesse contexto que deve ser compreendido o convite de Roosevelt a Aranha, conhecido pelas suas inclinações pró-americanas, para que esse visitasse Washington a fim de tratar de "questões nas quais os nossos dois governos estão igualmente interessados".
De facto, a partir desse momento, começou a delinear-se com mais clareza a intenção norte-americana de aumentar a sua influência sobre o Brasil. Essa articulação americana deu-se em quatro planos: diplomático, económico, militar e político.
Apesar de não ser exclusivamente económica, a missão Aranha obteve créditos adicionais fornecidos pelo Eximbank, que possibilitaram o regresso ao livre-cambismo e uma atitude mais flexível quanto ao pagamento da dívida, que se encontrava suspenso desde 1937. É importante realçar que estes acordos, assinados em Março de ’39, somente se tornaram possíveis pelo empenho americano em fornecer créditos ao Brasil.
A articulação, no plano militar, consubstanciou-se na visita de Gois Monteiro (um dos Generais responsáveis pelo ministério da guerra) aos EUA, a convite de George Marshall, em Junho e Julho de 1939. Durante a estada de Gois Monteiro nos EUA, Marshall propõe a venda de equipamento bélico em troca de matérias-primas estratégicas e o próprio presidente Roosevelt manifesta a sua convicção de que o Nordeste brasileiro terá importância primordial para a defesa do continente em caso de guerra, uma vez que, segundo ele, os alemães pretendiam instalar, com conivência da Espanha, bases navais e aéreas nas ilhas canárias e até em Cabo Verde.
Com efeito, o alinhamento militar com os EUA começa a ganhar contornos mais claros, ao longo de 1939. Em 8 de Agosto, em carta a Marshall, Gois Monteiro escreve: "se o Brasil for envolvido no conflito armada ou se apresentar a iminência desse conflito, a sua posição geográfica e a sua situação no concerto dos países sul-americanos exigem preventivamente a concentração de suas forças principais no sector sul do país, à condição que fiquem garantidas as comunicações marítimas e a integridade do Nordeste. Para esse fim, as forças aéreas e navais dos EUA poderão utilizar-se das bases construídas pelo Brasil nos pontos mais convenientes, particularmente em Natal e Fernando de Noronha".
Contudo, o Brasil havia assinado, em 1938, um contrato com a fábrica alemã Krupp para o fornecimento de equipamentos militares e, de facto, recebeu numerosas remessas de armas ao longo de 1939 e 1940, até ao advento da apreensão, pela marinha inglesa, em Gibraltar , do navio Siqueira Campos, carregado de armas alemãs para o Brasil.
O bloqueio inglês efectivou o fim do "comércio compensado" com a Alemanha, tendo ficado ilustrado pela dificuldade encontrada pelas autoridades brasileiras para obter a libertação do Siqueira Campos. O navio, apreendido em novembro de 1940, foi finalmente solto, em Dezembro do mesmo ano, após gestões diplomáticas dos EUA junto à Grã-Bretanha, com o compromisso de cessar o "comércio compensado com a Alemanha, assumido por Oswaldo Aranha. Diante da incapacidade inglesa de recuperar o seu antigo papel de fornecedora de produtos manufacturados para o Brasil, os EUA viram-se em posição privilegiada para dar continuidade à sua ofensiva política, económica e militar sobre o Brasil.
Em Setembro de 1939, aquando da eclosão da guerra na Europa, os EUA já haviam posto em prática dois instrumentos para consolidar a sua hegemonia sobre o Brasil: a "missão Aranha" havia renegociado a dívida em termos satisfatórios para ambas as partes e Gois Monteiro estava engajado em negociações com vista ao reaparelhamento das forças armadas brasileiras pelos EUA. Mas, o conflito europeu daria aos americanos a oportunidade de consolidar o trabalho político que vinham desenvolvendo desde 1933, quando havia sido inaugurada, no âmbito das relações EUA/América Latina, a "Política de Boa Vizinhança" do presidente Roosevelt.
Esta política pode ser vista como um instrumento de obtenção e consolidação da influência dos EUA sobre a América Latina. Representa, na verdade, a vertente diplomática da ideologia liberal norte-americana, adoptada também nas relações económicas internacionais, com a defesa do livre comércio. A "Boa Vizinhança" procura enfatizar a igualdade soberana entre as nações das américas, repudiando a intervenção e valorizando as origens e os ideais comuns que dariam margem à cooperação e solidariedade hemisféricas. Assim, os ideais de "Boa Vizinhança" unilateralizaram-se no pan-americanismo, que passou a ter alta prioridade na política externa do governo de Roosevelt. Isto foi uma espécie de "upgrading" ou reactualização da Doutrina Monroe e dos seus corolários.
Com efeito, já em 1936, na conferência pan-americana de Buenos Aires os EUA conseguiram a aprovação da resolução instituindo o princípio de consulta entre as repúblicas americanas em caso de ameaça extra continental à paz. Naquele momento, Roosevelt já manifestava a sua convicção de que a unidade hemisférica   teria que ser mantida em face do perigo de uma guerra mundial.
Aliás, toda a concepção político-estratégica americana foi amplamente debatida a partir de meados dos anos trinta. A este propósito são de referir os trabalhos do Professor Spykman, o grande ideólogo do empenhamento norte-americano na Segunda Guerra. Segundo ele, o envolvimento dos EUA nos palcos de guerra europeus era imperativo. Ao contrário, o "isolacionismo hemisférico" preconizado pelas movimentações político-diplomáticas de Roosevel seria, para Spykman, desastroso, pois com a "ameaça nazi" na Europa e a "ameaça vermelha" que se anunciava na Ásia assistiríamos ao cerco geopolítico de todo o Mundo Novo, ou seja, todo o continente Americano, deixando-o numa posição de debilidade face ao seus opositores.
Contudo, este autor não era contrário à política de alianças e a boa vizinhança. Pretendia apenas que além de ser necessário construir um pan-americanismo firme, era também vital que os EUA abandonassem, mais uma vez, o isolacionismo, constituindo a sua defesa (avançada) logo em solo europeu e não no continente americano.
Spykman idealizava uma enorme aliança do mundo livre e democrático, primeiro contra a ameaça nazi e posteriormente contra a URSS, com as linhas fronteiriças traçadas na Europa. Assim, sabendo pelo estudo das Relações Internacionais (RI) que, regra geral, os conflitos se dão ao longo das linhas de demarcação das partes em confronto, os EUA estariam sempre resguardados da eclosão de uma guerra no seu território.
No entanto, estas teses só viriam a vingar totalmente em 1942, quando uma esquadra japonesa bombardeou Pearl Harbour, fornecendo o pretexto ideal para os EUA rumarem para a Europa. Até aí, a política de consolidação da unidade hemisférica continuou, principalmente através da aproximação ao Brasil. Mais impermeável a esse esforço norte-americano era a Argentina, cuja economia era mais vinculada à Europa (principalmente à Inglaterra) e cujo nacionalismo fervoroso dava boa margem de receptibilidade à ideologia nazi fascista em certos meios.
O período de 1936 a 1939 é marcado por maior autonomia, margem de manobra e poder de negociação da parte do Brasil. Isto ocorre basicamente na razão da rivalidade entre os sistemas de poder alemão e norte-americano na conquista do mercado brasileiro. Essa rivalidade permite "equidistância pragmática" por parte do Brasil, que obtém benefícios ao manter, na medida do possível, relações comerciais com ambos.
A partir da iminência do conflito na Europa, os EUA surgirão motivados pelo interesse de consolidar a sua hegemonia sobre o Brasil e essa postura abrirá para o país um novo caminho para obter benefícios. Teria havido entre Brasil e EUA um "contrato" pelo qual o país sul-americano recebeu "pagamentos" pela sua "colaboração".
Neste contexto, surge uma importante questão: porque negociaram os EUA com o Brasil a adesão deste ao seu sistema de poder? A resposta pode ser encontrada na própria ideologia dos EUA, manifestada na boa vizinhança. Além do que foi referido sobre o conceito estratégico norte-americano é preciso acrescentar que seria impossível aos EUA, porta-voz desde 1933 da igualdade soberana entre os estados e a não intervenção em assuntos internos, consolidarem a sua hegemonia sobre as Américas da mesma forma que os alemães estavam a fazer na Europa e até no Brasil: pela coerção, anexação ou inovação pura e simples. No caso da América do Sul não há dúvidas que a Alemanha interferia de uma forma muito contundente, em particular nos assuntos internos do Brasil (a embaixada alemã apoiava movimentos simpáticos ao nazismo no sul do país) o que levou o embaixador Karl Ritter a ser declarado persona non grata pelo estado brasileiro.
A hegemonia dos EUA consolidou-se, sem dúvida, de maneira mais subtil: pela via da negociação e da cooperação, mesmo que essa "negociação" se dê entre nações com enormes diferenciais de poder, como era o caso, evidentemente, entre EUA e Brasil.
É precisamente a existência desse diferencial de poder que suscita uma segunda questão: qual foi o grau de autonomia na negociação, ou seja, até que ponto esteve o Brasil livre para "acordar" com os EUA os termos da sua adesão ao sistema de poder norte-americano?
É possível argumentar, como faz Hilton, que as vantagens obtidas pelo Brasil ao longo desse período pelo Brasil seriam decorrentes quase exclusivamente do "oportunismo" de vantagens e da sua política "pendular" . A aplicação desta ideia de política "pendular" adoptada pelo Brasil no período de 1934/39, quando o país manteve relações comerciais de diferente natureza e alcance com os EUA e a Alemanha, não parece adequada, tendo em vista que o Brasil não oscilava entre os dois países, como sugere o termo "pendular", mas sim procurava auferir o máximo de benefícios resultantes de um relacionamento comercial com ambos.
Essa política equidistante mantém-se até 1939 (o Brasil tem espaço de manobra até ’39) altura em que os EUA demonstram os principais sinais de que começam activamente a consolidar o seu sistema de poder na América Latina e os problemas na Europa começa a inviabilizar a opção alemã (o Brasil tinha que se decidir).
Deste momento até ao rompimento de relações diplomáticas com o Eixo, é possível que o Brasil tenha tido oportunidade de adoptar uma política "pendular", notadamente no caso da siderurgia. Nesta situação, é aceitável a tese de que o governo norte-americano se tenha empenhado mais na obtensão de créditos  do Exibank e no acordo de que resultou a instalação de Volta Redonda, em virtude dos entendimentos paralelos que o governo de Vargas vinha mantendo com alemães e suecos.
O famoso discurso de Vargas a bordo do Minas Gerais em 11/06/1940 poderia também ser compreendido como uma manifestação dessa política "pendular", ao lembrar aos EUA de que o facto de as negociações, tanto para a obtenção de uma siderurgia quanto para o abastecimento de armas, não se estavam a desenrolar de maneira satisfatória e que a Alemanha ainda poderia constituir uma opção rival, tanto mais se considerando-se que, em 1940, as indicações ainda eram de que a Alemanha viesse a consolidar-se como principal potência na Europa.
Esta mensagem foi bem captada pelo governo de Roosevelt e, já em Setembro, o Embaixador Carlos Martins assina os acordos de financiamento da Siderúrgica de Volta Redonda.

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