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Revolução Federalista

 
Degola no Sul
por Rafael Sêga
Muito sangue foi derramado para que a República pudesse se sustentar nos anos que se seguiram à sua Proclamação. No Rio Grande do Sul houve até degolas. O fato é que havia muitos interesses em jogo durante os governos militares de Deodoro da Fonseca (1827-1892) e Floriano Peixoto (1839-1895). Os dois presidentes precisaram conciliar os negócios da economia cafeeira com a manutenção da unidade nacional. Mas não o fizeram sem resistência.

Um dos movimentos que mais contestaram a soberania dos republicanos foi a Revolução Federalista, uma série de conflitos armados que ocorreram nos três estados do Sul do Brasil entre 1893 e 1895. O fundador do Partido Federalista do Rio Grande do Sul, Gaspar Silveira Martins (1834-1901), defendia uma reforma da Constituição e a adoção do parlamentarismo. Seus correligionários foram enfrentados por Julio de Castilhos (1860-1903), que governava o Rio Grande do Sul.

A luta aberta irrompeu quando o ex-fazendeiro Gumercindo Saraiva (1852-1894), que tinha se refugiado no Uruguai, cruzou a fronteira com cerca de quatrocentos federalistas, chamados também de “maragatos” – termo que remete a uma região da Espanha, La Maragataria, povoada por berberes da região egípcia do Maragath, e aos oriundos do departamento uruguaio de San José. Os maragatos no Uruguai eram majoritariamente blancos, representantes de uma classe de pequenos produtores rurais. No Brasil, eles se alinhavam aos partidários de Gaspar Silveira Martins, contra os projetos centralizadores locais, liderados por Julio de Castilhos, e nacionais, liderados por Floriano.

Para organizar suas tropas, os maragatos tiveram que usar fitas vermelhas (as “divisas”) nos chapéus para que sua ascendência militar ficasse à mostra. Já as tropas federais governistas passaram a ser conhecidas como “pica-paus”, por conta do uniforme azul e do barrete vermelho. Após algumas escaramuças iniciais, o primeiro grande confronto entre as duas facções ocorreu na Campanha Ocidental, no início de maio de 1893, em Alegrete, nas proximidades do arroio Inhanduí. Para muitos, essa foi uma das maiores batalhas da história do Rio Grande do Sul.

Os bem armados republicanos, apesar da inferioridade numérica, conseguiram repelir os federalistas do campo de batalha com canhões e metralhadoras. A retirada das tropas revolucionárias, liderada pelo coronel Joça Tavares (1818-1906), foi um desastre: os governistas conseguiram alcançá-las, provocando grandes perdas entre os insurretos e obrigando-os a voltar ao Uruguai para reorganizar suas forças. A certeza da vitória final era tanta que os chefes legalistas haviam enviado um telegrama a Julio de Castilhos no qual afirmavam sumariamente: “Revolução estrangulada”.

No final de julho, Gumercindo uniu suas tropas às do general Salgado, num total de quase dois mil homens, e prosseguiu tomando pequenas cidades da Campanha até a primeira vitória, em Cerro do Ouro, no final de agosto. Pouco tempo depois, os federalistas receberam notícias que lhes deram um novo ânimo: na capital da República, a Armada, sob a liderança do almirante Custódio de Melo (1840-1902), havia se rebelado contra a ditadura de Floriano. O presidente, para defender sua permanência no poder, acabou agindo de forma centralizadora,contrariando certas elites regionais.

 Custódio achava que poderia intimidar Floriano com bombardeios na capital, como havia feito dois anos antes com Deodoro, mas não foi o que aconteceu. A esquadra rebelde sofria por causa de uma epidemia de beribéri, e começou a perder o ânimo para enfrentar os canhões das fortalezas fiéis ao governo. Custódio então resolveu, no início de dezembro, romper o cerco do canal da barra com o encouraçado Aquidabã. O objetivo era ligar sua tropa ao cruzador República na ilha de Santa Catarina, onde o capitão de mar e guerra Frederico Guilherme de Lorena havia proclamado um “Governo Nacional Provisório” desde outubro.

Mas o lado governista, a Divisão do Norte – comandada pelo senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) –, diminuiu o entusiasmo dos federalistas, forçando-os a avançar para o norte do estado, onde se encontrariam com os revoltosos que estavam estacionados na ilha de Santa Catarina. Num primeiro momento, o deslocamento da revolta da Armada para o Sul e a sua ligação com a Revolução Federalista foram bem-sucedidos. Mas a união dos dois movimentos não se manteve: os pretensos aliados pouco tinham em comum.

Em outra frente de combate, no final de 1893, uma força governista foi dominada por Joca Tavares às margens do Rio Negro, nas proximidades de Bagé, onde ocorreu uma das maiores atrocidades de todo o período. Na noite de 24 de novembro, cerca de trezentos dos mil prisioneiros foram executados por degola. Mas essa chacina não passaria incólume. Alguns meses depois, um general castilhista, Firmino de Paula, se vingou exterminando um número quase igual de maragatos em Boi Preto.

Logo em seguida, Tavares apostou todas as suas fichas na tomada de Bagé, que era sede de uma bem armada guarnição militar e dispunha de uma linha férrea que a ligava à cidade de Rio Grande. Mais ao norte, a coluna de Gumercindo conseguiu chegar a Blumenau, e dalí seguiu até a cidade litorânea de Itajaí, onde pretendia se juntar aos revoltosos da Armada. O comandante prosseguiu sua marcha com um plano audacioso: tomar as praças de guerra Tijucas e Lapa, no sudeste do estado do Paraná, enquanto Custódio de Melo se encarregava de tomar o porto de Paranaguá. As localidades foram conquistadas em poucas semanas.

Da Lapa, os maragatos pegaram um trem para cuidar dos feridos em Curitiba. Diante dessa ofensiva, o governador do estado transferiu a capital para Castro, deixando Curitiba à mercê das forças federalistas, que exigiram “empréstimos de guerra” para não saquear a cidade. A missão de reunir o dinheiro ficou a cargo de Ildefonso Pereira Corrêa (1849-94), o barão do Cerro Azul – esse gesto seria usado como justificativa para a sua execução, meses mais tarde, na estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, possivelmente por governistas.

Quando a vitória dos federalistas parecia inevitável, o presidente Floriano conseguiu organizar a contraofensiva, e obteve importantes vitórias sobre os revoltosos da Armada, pondo a pique o principal navio de guerra dos marujos rebelados, o Aquidabã, o que acelerou o fim do Governo Provisório. Isso abalou a confiança dos maragatos e os fez desistir de invadir São Paulo, onde o governo federal, com a colaboração do governador Bernardino de Campos (1841-1915), havia organizado um exército de quase seis mil homens em Itararé. Só restou aos insurretos recuar em suas posições no Paraná, marchando três colunas para oeste, pelo interior.

Os republicanos enviaram a Divisão do Norte para enfrentá-los em Passo Fundo, onde a coluna de Gumercindo lutou sua última e mais renhida batalha. Os maragatos provocaram grandes baixas nas forças legalistas, mas as cargas de lanceiros eram insuficientes diante de uma infantaria armada com fuzis Comblains e canhões Krupp.

Em agosto de 1894, Gumercindo estava passando em revista seu combalido exército quando foi alvejado por um franco-atirador oculto numa mata, vindo a falecer dois dias mais tarde. Após sua morte, a Revolução Federalista se tornou um protesto errante, e os maragatos resolveram se refugiar na Argentina. A eleição de Prudente de Morais, em março do mesmo ano, colocou na Presidência um civil, o que foi de encontro aos anseios dos grupos radicais jacobinos, que lutavam por um governo militar e ditatorial.

A Revolução Federalista sofreu sua derrota final em junho de 1895, durante o combate de Campo Osório, no qual o almirante Luís Felipe Saldanha da Gama (1846-1895) e seus quatrocentos homens resistiram até o fim. A maioria – marujos montados a cavalo – morreu em combate, e os que sobreviveram fugiram para o Uruguai. O acordo de paz, ou seja, o armistício de Piratini, foi assinado perto de Pelotas, no dia 23 de agosto de 1895, entre o general Inocêncio Galvão de Queiroz, emissário do governo federal, e Joca Tavares, representante dos federalistas – cuja reivindicação principal se reduziu à revisão da Constituição estadual. A guerra civil terminou com uma debandada de dez mil federalistas para o Uruguai e dez mil mortos dos dois lados.

O fim da Revolução Federalista confirmou, no Rio Grande do Sul, o predomínio do Partido Republicano Rio-Grandense sobre a vida institucional. Julio de Castilhos governou até 1898, e a Carta Magna estadual foi o sustentáculo jurídico da perpetuação de um mesmo presidente do estado por quase três décadas: Antonio Borges de Medeiros (1863-1961).

Rafael Augustus Sêga é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e autor do livro Tempos Belicosos (Ed. Instituto Memória, 2008).

Comentários

  1. Professor Arão, primeiro parabéns por este interessante blog. Seguirei-o. Gostaria que o amigo desenvolvesse mais um pouco sobre historia do rio grande do sul. Pessoalmente tenho história familiar sobre a degola na revolta anti-borgista, de 1923, que resultou em acordo de paz. Meu bisavô foi um coronel maragato que lutou nesta revolta, sendo fuzilado e degolado, em 1923, estou procurando mais registros para escrever a respeito. Te agradeço, abraço, Máurio Souza, São Jerônimo, RS

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