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Revolução de 1930 - Ruptura ou continuidade




Em síntese: O movimento político-militar que determinou o fim da Primeira República (1889-1930) originou-se da união entre os políticos e tenentes que foram derrotados nas eleições de 1930 e decidiram pôr fim ao sistema oligárquico através das armas. Após dois meses de articulações políticas nas principais capitais do país e de preparativos militares, o movimento eclodiu simultaneamente no Rio Grande do Sul e Minas Gerais, na tarde do dia 3 de outubro. Em menos de um mês a revolução já era vitoriosa em quase todo o país, restando apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pará ainda sob controle do governo federal. Finalmente, um grupo de militares exigiu a renúncia do presidente Washington Luís e pouco depois entregou o poder a Getúlio Vargas.
Foi a vitória do candidato governista Júlio Prestes nas eleições de março de 1930, derrotando a candidatura de Getúlio Vargas, que era apoiada pela Aliança Liberal, que deu início a uma nova rearticulação de forças de oposição que culminou na Revolução de 1930. Os revolucionários de 30 tinham como objetivo comum impedir a posse de Júlio Prestes e derrubar o governo de Washington Luís, mas entre eles havia posições distintas quanto ao que isso representava e quais seriam as conseqüências futuras.
Dentre os jovens políticos que se uniram em torno do levante, destacavam-se Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor, João Batista Luzardo, João Neves da Fontoura, Virgílio de Melo Franco, Maurício Cardoso e Francisco Campos. Além de derrubar o governo, esses líderes pretendiam reformular o sistema político vigente. Dos tenentes que haviam participado do movimento tenentista, os nomes de maior destaque eram Juarez Távora, João Alberto e Miguel Costa. A meta particular desse grupo era a introdução de reformas sociais e a centralização do poder. Havia ainda uma ala dissidente da velha oligarquia, que via no movimento revolucionário um meio de aumentar seu poder pessoal. Era o caso de Artur Bernardes, Venceslau Brás, Afrânio de Melo Franco, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e João Pessoa, entre outros.
Por sua vez, o ex-líder da Coluna Prestes, Luís Carlos Prestes, optou por um caminho mais radical. Crítico da união dos jovens políticos com a dissidência oligárquica, Prestes decidiu não participar da revolução e lançou seu próprio Manifesto Revolucionário. Declarava-se socialista e sustentava que a mera de troca de homens no poder não atenderia às reais necessidades da população brasileira.
Intermináveis negociações preliminares retardaram as ações militares dos conspiradores contra o governo de Washington Luís. Finalmente, em 26 de julho, o inesperado assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba e candidato derrotado à vice-presidência na chapa da Aliança Liberal, estimulou as adesões e acelerou os preparativos para a deflagração da revolução. Alçado à condição de mártir da revolução, João Pessoa foi enterrado no Rio de Janeiro e seus funerais provocaram grande comoção popular, levando setores do Exército antes reticentes a apoiar a causa revolucionária.
Enfim, a 3 de outubro, sob a liderança civil do gaúcho Getúlio Vargas e sob a chefia militar do tenente-coronel Góes Monteiro, começaram as diversas ações militares. Simultaneamente deu-se início à revolução no Rio Grande do Sul, à revolução em Minas Gerais e à revolução no Nordeste, os três pilares do movimento.
Com a ocupação de capitais estratégicas como Porto Alegre e Belo Horizonte e de diversas cidades do Nordeste, e com o deslocamento das forças revolucionárias gaúchas em direção a São Paulo, o presidente Washington Luís recebeu um ultimato de um grupo de oficiais-generais, liderados por Augusto Tasso Fragoso. O grupo exigiu a renúncia do presidente. Diante de sua negativa, os militares determinaram sua prisão e o cerco do palácio Guanabara, no dia 24 de outubro. A seguir, formou-se a Junta Provisória de governo, composta pelos generais Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha.
Em virtude do maior peso político que os gaúchos detinham no movimento e sob pressão das forças revolucionárias, a Junta finalmente decidiu transmitir o poder a Getúlio Vargas. Num gesto simbólico que representou a tomada do poder, os revolucionários gaúchos, chegando ao Rio, amarraram seus cavalos no Obelisco da avenida Rio Branco. Em 3 de novembro chegava ao fim a Primeira República e começava um novo período da história política brasileira, com Getúlio Vargas à frente do Governo Provisório. Era o início da Era Vargas. Entender o significado desse movimento, saber se representou uma ruptura ou continuidade na vida nacional, tem sido objeto de inúmeros livros e artigos escritos desde então.
Ruptura ou Continuidade?
A Revolução de 1930 representou uma continuidade ou uma ruptura? Esta é uma pergunta presente em muitas das análises da história contemporânea do Brasil.
Aqueles que acentuam a continuidade consideram que o movimento de 1930 não alterou os padrões econômicos ou políticos da velha ordem, e que portanto não cabe chamá-lo de revolução. Os que sublinham as novidades introduzidas no pós-30 (política social, corporativismo), ao contrário, tendem a afirmar que 1930 representou um movimento de ruptura com um modelo e uma prática liberais, baseados na não-intervenção do Estado no mercado de trabalho.
A disputa entre as teses da ruptura ou da continuidade talvez seja um tanto ilusória, já que os movimentos político-sociais, mesmo os mais radicais, também contêm elementos que foram gerados na velha ordem. A idéia de um corte radical com o passado pode não ser a melhor representação do processo histórico. A história não se processa pela emergência abrupta de eventos, mas de outro lado alguns deles podem lhe imprimir um determinado curso, nem sempre previsto em seus antecedentes. Entre o determinismo, onde os acontecimentos são vistos como produto de uma necessidade inquestionável, e o voluntarismo, que vê a vontade e a ação humanas como elementos fundamentais do processo histórico, é preciso procurar compreender as complexas relações entre traços estruturais, dados conjunturais e a opção dos atores sociais.
O conceito de revolução utilizado para caracterizar eventos político-sociais inclui nele mesmo diferentes significados. No passado revolução foi entendida como volta às origens, como um "revolver", e nesse sentido estava relacionada a uma concepção circular do tempo histórico. Outra tradição, a iluminista, entendia revolução como o início de um novo tempo inserido na caminhada linear do gênero humano em seu processo evolutivo. Mais recentemente, o conceito de "revolução pelo alto" foi usado para compreender os processos de mudança conduzidos por elites políticas e que marcam a história de várias sociedades .
Muitos dos que criticam chamar o movimento de 1930 de revolução consideram que a Abolição da Escravatura, por exemplo, foi uma ruptura mais importante. Chamar 30 de revolução nada mais seria do que assumir o ponto de vista dos "vencedores". É preciso lembrar que movimentos vitoriosos tendem a construir representações que confirmam seu ímpeto revolucionário, destruidor das velhas estruturas, e que a história envolve não só a luta política mas também a luta de símbolos e representações.
O movimento de 1930 tem sido objeto, desde sua época até hoje, de diferentes versões. Essas interpretações sobre a revolução podem ser tomadas como marcos significativos da história do pensamento político brasileiro, na medida em que foram produzidas e influenciadas pelas preocupações contemporâneas a elas. Como não é o passado que nos instrui sobre a perspectiva do presente, mas, ao contrário, é o presente que nos fornece uma interpretação do passado, são as perguntas e os impasses de cada momento que nos fazem indagar sobre as experiências históricas e recuperar ou descartar fatos e personagens.
A vasta bibliografia sobre a Revolução de 1930 que até hoje é produzida mostra por si só a importância desse evento na história brasileira.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/Revolucao30/RupturaContinuidade
CPDOC – Fundação Getulio Vargas

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