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Perón, Evita e a Argentina





Apesar da prosperidade e do bem-estar a Argentina não era politicamente feliz. Desde 1930, com a deposição do presidente civil Yrigoyen , pelo gen. Uriburu, a casta militar mandava e desmandava no país. Fraudes eleitorais eram comuns e uma política reacionária caracterizou aquele período da década de 1930, justamente chamada de "a infame". Por influência do fascismo e das vitórias do Eixo na Guerra que se travava na Europa, uma clique de militares - o GOU (Grupo de Oficiares Unidos) , resolveu tomar o poder, destituindo o presidente civil em 1943. Propunham eles o predomínio de uma Argentina branca, caucasiana, autoritária, antiliberal e anticomunista, com vocação hegemônica sobre todo o continente sul-americano. A figura mais influente desse grupo era o coronel Juan Domingo Perón. Nascido em 1895, em Los Lobos, Perón começou a simpatizar com o fascismo quando foi adido militar na Itália e ficou impressionado com as manifestações de massa promovidas por Mussolini. Ao retornar, pensou implantar um sistema semelhante na Argentina. Ao assumir a Secretaria do Trabalho e do Bem-estar tratou de aproximar-se dos sindicatos e apoiar-se neles para chegar ao poder e reformar suas estruturas.
O movimento de 17 de outubro de 1945
Uma série de medidas aprovadas a favor dos trabalhadores tornou-o extremamente popular . Para alguns dos seus colegas de farda, Perón teria ido longe demais nessa política pró-trabalhista. Assim, destituíram-no da secretaria. Não demorou para que uma impressionante multidão saísse às ruas reclamando o imediato retorno de Perón ao governo. No dia 17 de outubro de 1945, Perón arengou para uma multidão de 300 mil trabalhadores que lançaram seu nome para concorrer à presidência em eleições que ocorreriam em breve (*). Quatro meses depois, em fevereiro de 1946, ele era eleito com 56% dos votos, com o slogan Braden ou Perón! (Braden era o ex-embaixador americano que se opunha ao nacionalismo argentino).

(*) Estes acontecimento tiveram efeito imediato na política brasileira. Para evitar que o movimento queremista ("Queremos Getúlio!"), que apoiava a continuidade do regime de Getúlio Vargas , tivesse sucesso, os militares, num golpe incruento, doze dias depois dos sucesso de Buenos Aires, depuseram o ditador em 29 de outubro de 1945.
Os pilares do Peronismo
O Peronismo sob o ponto de vista ideológico era um cambalacho, trazia em si elementos contraditórios e confusos, uma mistura de tomismo medieval, fascismo e tinturas de um estado de bem-estar social de inspiração social-democrata, que se materializava nas Vinte Verdades. De fato foi uma variante platina do fascismo, mesclado com práticas populistas latino-americanas. Perón, que desenvolveu um verdadeiro culto a sua personalidade, afirmava que a nova frente de poder antiplutocrática e antioligárquica ( a oligarquia era aliada ao imperialismo anglo-saxão), estava apoiada numa aliança entre os sindicatos ,organizados em torno da CGT (Confederación General del Trabajo), e o Exército representado por ele e por seus colegas mais próximos, unidos em torno da bandeira da autarquia e do nacionalismo. Essa era estrutura socio-política do Movimento Justicialista, que ele tentou transformar em religião cívica do qual era o líder máximo. Tornou-se "Doutrina nacional "em 1952 , e quem se lhe opusesse era considerado um " vendepatria" um "antiargentino" . A sua política econômica visava a autonomia, estatizando as ferrovias e os setores considerados estratégicos. Perseguiu seus adversários recorrendo a prisões e torturas, e estabeleceu censura à imprensa, bem como restrições à liberdade de organização e expressão fora do movimento Justicialista Praticou a distribuição de renda graças as grandes reservas acumuladas pela Argentina durante a 2ª Guerra Mundial. Pregou a política externa da Terceira Via,(Tercera posición) eqüidistante dos Estados Unidos e da União Soviética. Objetivamente , devido a estreiteza da Guerra Fria, ele foi considerado uma liderança suspeita , negativa e por vezes hostil, para os americanos. Para marcar ainda mais sua independência, abriu as fronteiras argentinas para os nazistas a pretexto de utilizá-los como técnicos, fazendo com que terminasse por abrigar uma série de criminosos de guerra, como Eichmann e o dr. Mengele.
Evita tratou de atrair o povo para o movimento através de uma intensa política de auxilio aos desamparados. Através da Fundação de Beneficência determinou que as empresas e as grandes fortunas fizessem contribuições "voluntárias" para apoiar sua medidas filantrópicas em favor de hospitais, escolas, abrigos para os idosos, creches e demais instituições caritativas. Reforçou-as ainda mais com recursos vindos das loterias e mobilizou outros fundos para isso. Fundou o Partido Peronista Feminino e consagrou-se com a aprovação do direito das mulheres votarem em 1950, a partir de lei aprovada em 1947. Essa atividade granjeou-lhe a fama de mulher santa, tornando-a num verdadeiro objeto de culto por parte dos seus seguidores. Em 1947, fez uma viagem triunfal pela Europa, levando trigo para abastecer os europeus famintos do após-guerra. Em 1951, quando Perón lançou-se à reeleição, a CGT pressionou-a para que ela aceitasse concorrer à vice-presidência. Os militares, colegas de Perón, vetaram-na. Em 26 de julho de 1952, Evita morreu vitimada por um câncer no cólon do útero. Recebeu homenagens de todas as expressões sociais e institucionais da Argentina de então. Seu corpo embalsamado pelo doutor Ara, na verdade marmorificado, foi exposto à visitação permanente na sede da C.G.T. de Buenos Aires, lá colocada como mártir da classe operária e imortal heroina do regime peronista. Antes, no dia 1º de agosto, no translado do esquife, o povo de Buenos Aires, cabisbaixo e em lágrimas, prestou-lhe nas ruas e avenidas homenagens sem paralelo na história do país. Perón e os peronistas fizeram uma campanha junto ao Vaticano para santificá-la. Mesmo vendo fracassados seus esforços ela nunca deixou de ser considerada como a Santa Evita pela maior parte do povo pobre da Argentina.
Depois de ter-se atritado com a Igreja (por ter aprovado a lei do divórcio) Perón provocou a insatisfação contra o seu regime devido a ascensão da inflação, as constantes restrições à liberdade e a queda geral do nível de vida devido a redução das exportações (os produtos argentinos haviam sido valorizadas pela eclosão da Guerra da Coréia, entre 1951-53). Em setembro de 1955 um levante militar derrubou a ditadura. Rompeu-se a aliança entre os sindicatos e o exército. Nos anos seguintes os peronistas ficarão proibidos de participarem das eleições e nas vezes em que foram eleitos os militares impediram que eles assumissem os cargos. Perón refugiou-se na Espanha do gen. Franco de onde só retornou 18 anos depois, em 1973.Com o prolongamento da crise política, o gen. Lanusse, em 1971, tentou pacificar o pais legalizando o peronismo e permitindo a volta do seu líder para a Argentina. Entrementes o país passou a conhecer um violento surto terrorista promovido pela extrema esquerda do ERP (Exército Revolucionário do Povo) e pelos Montoneros ( esquerda peronista) contra as Forças Armadas. Quando Perón retorna, em 1973, é recebido com uma banho de sangue , resultado da luta entre as facções direitistas (lideradas por Lopes Rega) e esquerdistas (os montoneros). Perón morre em 1974 sem ter conseguido pacificá-las. O poder fica com sua terceira mulher, a vice-presidente Isabel Perón, que foi deposta por um violento golpe militar em 1976. A Argentina mergulhou então num dos mais sanguinários regimes ditatoriais desse século, liderado pelo gen. Videla, quando mais de 8 mil pessoas foram mortas, a maioria delas executada pelas Forças Armadas.
Bibliografia
Floria, Carlos A. - Belsunce, César G. - Historia de los argentinos,
      Larousse, Buenos Aires,2 vols., 1992.
Lipset. Seymour M. - O Homem Político, Zahar editores, Rio de
      Janeiro, 1967.
Martinez, Tomás E. - Las memorias del General, Editora Planeta,
      Buenos Aires, 1996.
____. La Novela de Perón, Editora Planeta, 1993, Barcelona.
____. A Santa Evita, Companhia das letras editora, São Paulo, 1996.
Ortiz, Alicia D. - Eva Perón: la biografía, Aguilar, Buenos Aires, 1995.
Sebreli, Juan José - Los deseos imaginarios del Peronismo, Editorial
      Sudamericana, Buenos Aires, 1992.
Taborda, Raúl D. - O Caso Perón, Editora Globo, Porto Alegre, 1954.
Wasserman, Cláudia - Perón, Peronismo, Justicialismo, Monografia
       da autora, Porto Alegre, 1997

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