Pular para o conteúdo principal

3º ano - O Nazismo no Brasil - 2º bimestre

Em 1935, o comerciante alemão Hans Henning von Cossel descrevia a então bucólica Blumenau, em Santa Catarina: "Quem pode compreender a sensação que se tem ao encontrar no coração da América do Sul uma cidade em que é difícil ouvir uma palavra em português, em que as casas lembram uma pequena cidade da Alemanha central? Vêem-se aqui e ali palmeiras, mas elas parecem deslocadas num lugar onde até os poucos negros existentes falam alemão e se sentem como bons "alemães". Cossel não era apenas um entre os 230.000 imigrantes de origem germânica que habitavam o Brasil na década de 30. Oficialmente, tinha o cargo de adido cultural da Embaixada da Alemanha, no Rio de Janeiro. Na verdade, exercia uma função estratégica: instalar e comandar, no Brasil, uma célula do Partido Nazista. Foi eficientíssimo em sua missão. Documentos que hoje se encontram nos arquivos de órgãos federais alemães mostram que a seção brasileira teve o maior número de filiados (2.822) entre as 83 células espalhadas por todo o mundo, superando países que sofreram influência direta do III Reich, como Áustria e Polônia. A autora da descoberta é a historiadora paulista Ana Maria Dietrich, atualmente na Alemanha, onde conclui uma tese de doutorado sobre o tema.
Desde 2002, a historiadora, que é pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), tem escarafunchado relatórios, fotos e ilustrações guardados no Ministério das Relações Exteriores e no Arquivo Federal da Alemanha, em Berlim, e no Instituto de Relações Exteriores, em Stuttgart. O que emerge dessa papelada é o retrato inédito da etapa brasileira do mais ambicioso plano de Hitler: a internacionalização da ideologia nazista, através do povo alemão, não importa onde ele estivesse. Dentro dessa estratégia, Von Cossel, radicado no Brasil desde o início da década de 30, tinha um papel de destaque. Segundo o Ministério das Relações Exteriores alemão, era "um dos mais afortunados e confiáveis chefes dos Landesgruppe", como ficaram conhecidas as células do Partido Nazista em outros países. Além da pesquisa documental, Ana Maria conseguiu entrevistar duas filhas do comerciante. "Elas têm a lembrança de um homem que fazia muitas viagens pelo Brasil e para a Alemanha, mantinha uma boa relação com o então presidente Getúlio Vargas e chegou a ser recebido pelo próprio Hitler", conta a historiadora, que em 2001 escreveu a tese de mestrado "A caça às suásticas – o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da polícia política". Nesse primeiro trabalho, foram pesquisados documentos do Departamento Especializado de Ordem Política e Social, o temido Deops da ditadura Vargas. Agora, ao ter acesso a fontes originais, na Alemanha, a pesquisadora foi além. É possível não só entender como funcionava o Partido Nazista no Brasil, que chegou a estar estruturado em dezessete Estados, mas descobrir como os alemães fiéis a Hitler enxergavam o país.
As peças de propaganda do departamento de imigração da Alemanha descreviam um paraíso tropical, mas os documentos trocados entre os chefes do Partido Nazista tupiniquim e o alto-comando do Führer mostram uma visão diferente. A miscigenação, característica marcante do povo brasileiro, era um insulto à política de pureza racial pregada por Hitler. Só aos alemães era permitido o ingresso no partido, e eles eram proibidos de casar com brasileiras. Os militantes também discriminavam os alemães que se dispusessem a trabalhar na lavoura com negros e judeus. Basta um trecho do relatório enviado pelo filiado Albrecht Andriessen ao Ministério das Relações Exteriores da Alemanha para ter uma noção da real opinião dos nazistas sobre o Brasil. "O solo não é nenhum Eldorado de abastança, que tudo dá. A selva é atroz. Eles (os brasileiros) assassinam nossa gente no corpo e na alma, porque os alemães são obrigados a viver junto com uma mistura de todas as raças", relata Albrecht, que encerra o documento com uma súplica: "Por favor, levem de volta os alemães, para que eles não naufraguem neste Volkstum (espírito do povo), que na verdade nada mais é do que um horrendo caldeirão das bruxas".
Apesar do preconceito, o Brasil tinha uma importância estratégica para a política hitlerista. O país exercia uma atração não apenas por seu tamanho e sua população, mas pela posição geográfica. Além da possibilidade de instalação de bases militares, poderia ser uma rota de escoamento de matérias-primas e um excelente ponto de comunicação, por rádio, com a frota naval dos países do Eixo, por causa do Oceano Atlântico. Havia, ainda, o componente político. O governo de Getúlio Vargas manteve uma política pendular, ora favorável aos aliados, ora simpática à Alemanha, até 1942, quando finalmente se uniu aos Estados Unidos e à Inglaterra. Isso permitiu que, apesar de vigiado pelo Deops, o Partido Nazista do Brasil funcionasse tranqüilamente por dez anos, até a edição de uma série de decretos-leis restringindo a participação política de estrangeiros. Nesse breve período, foi quase possível, no delírio nazista, realizar o sonho de uma Alemanha tropical.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Questões discusivas com gabarito comentado - Renascimento Cultural

Para não perder as novidades, inscreva-se no Canal HIstória em gotas:   https://www.youtube.com/channel/UC23whF6cXzlap-O76f1uyOw/videos?sub_confirmation=1 1 .    Um dos aspectos mais importantes da nova ordem decorrente do Renascimento foi a formação das repúblicas italianas. Dentre elas, se destacaram Florença e Veneza. Essas repúblicas inovaram no sentido das suas formas de governo, assim como na redefinição do lugar do homem no mundo, inspirando a partir daí novas formas de representá-lo. a) Tomando o caso de Florença, explique como funcionavam as repúblicas italianas, levando em conta a organização política e os vínculos entre os cidadãos e a cidade, e indique o nome do principal representante das ideias sobre a política florentina no século XVI. b) Analise o papel de Veneza no desenvolvimento do comércio europeu, e suas relações com o Oriente.     2 .    As imagens abaixo ilustram alguns procedimentos utilizados por um novo modo de conhecer e explicar a realid

Questões discusivas com gabarito comentado sobre Revolução Russa e Primeira Guerra

1 .    Os planos de guerra apresentados no mapa acima demonstram como o sistema de alianças, constituído pelos países europeus no período denominado "Paz Armada" (1871-1914), acabou por levar o mundo à Primeira Guerra Mundial. Outro elemento importante para a compreensão das relações político-diplomáticas neste período é a instrumentalização do nacionalismo por parte dos Estados. a) Estabeleça a relação existente entre o pan-eslavismo e o plano de ataque austro-húngaro à Sérvia. b) Tendo em vista as tensas relações entre franceses e alemães desde a década de 1870, aponte duas razões para a existência tanto do Plano XVII (invasão francesa da Lorena), quanto do Plano Schlieffen (ataque alemão à França).     2 .    A Revolução Russa de 1917 significou a formação do primeiro Estado Socialista do mundo, provocando uma ruptura no sistema capitalista mundial e influenciando os movimentos revolucionários no pós-guerra e a divisão do mundo em Socialismo e Ca

Questões discussivas com gabarito sobre Primeira guerra e crise de 29

Para não perder as novidades, inscreva-se no Canal e clique no sino: https://www.youtube.com/channel/UC23whF6cXzlap-O76f1uyOw/videos?sub_confirmation=1 #partiuauladoarão 1 . (Unifesp 2011)  Numa quinta-feira, 24 de outubro de 1929, 12.894.650 ações mudaram de mãos, foram vendidas na Bolsa de Nova Iorque. Na terça-feira, 29 de outubro do mesmo ano, o dia mais devastador da história das bolsas de valores, 16.410.030 ações foram negociadas a preços que destruíam os sonhos de rápido enriquecimento de milhares dos seus proprietários. A crise da economia capitalista norte-americana estendeu-se no tempo e no espaço. As economias da Europa e da América Latina foram duramente atingidas. Franklin Delano Roosevelt, eleito presidente dos Estados Unidos em 1932, procurou combater a crise e os seus efeitos sociais por meio de um programa político conhecido como New Deal . a) Identifique dois motivos da rápida expansão da crise para fora da economia norte-americana.