“A Constituição de 1937, chamada de ‘Polaca’ por suas semelhanças com a carta autoritária instaurada na Polônia, representou uma ruptura significativa com o modelo liberal anterior. Redigida por Francisco Campos, consolidou uma nova concepção de Estado: centralizador, autoritário e fundado nos princípios do corporativismo, com inspiração explícita nas experiências fascistas europeias. A representação política por categorias profissionais e a supressão de liberdades civis expressaram a visão de Getúlio Vargas sobre a necessidade de ordem e unidade nacional como fundamentos do progresso.”
Tendo o texto acima como ponto de partida, redija um texto dissertativo que analise o caráter autoritário e corporativista da Constituição de 1937, destacando:
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os fundamentos ideológicos e políticos que sustentaram a elaboração da Carta Magna do Estado Novo;
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os mecanismos institucionais de supressão das liberdades democráticas e de centralização do poder;
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o papel do corporativismo como instrumento de controle social e sua inserção no projeto de modernização autoritária de Vargas.
Extensão máxima: 60 linhas
Valor: 30 pontos
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A seguir, segue uma possível resposta (ampliada), que te ajude a pensar uma possível resposta a uma hipotética questão que te cobrasse um assunto semelhante ou correlato
Resposta Modelo (Ampliada)
A Constituição de 1937 constitui uma inflexão autoritária decisiva na trajetória política do Brasil republicano, representando a consagração jurídico-institucional do Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas. Elaborada por Francisco Campos, influenciado pelo pensamento autoritário europeu do entreguerras – em especial, pelo fascismo italiano e pelo integralismo lusitano –, a nova carta não apenas rompeu com o marco liberal da Constituição de 1934, mas instituiu um ordenamento calcado no corporativismo, no centralismo político e na supressão das garantias democráticas. Sua análise revela uma sofisticada engenharia institucional voltada para a consolidação de um Estado nacional autoritário, racionalizador das relações sociais e refratário aos princípios do pluralismo político.
A gênese da Polaca insere-se em um contexto internacional marcado pela ascensão de regimes autoritários e por uma profunda crise das democracias liberais, minadas pelas consequências da Grande Depressão e pela ineficácia percebida das instituições representativas. Internamente, o cenário brasileiro era de intensas tensões políticas: a radicalização ideológica, expressa na disputa entre comunistas e integralistas; o fracasso da intentona de 1935; e os limites impostos pelo pacto federativo liberal à centralização do poder federal tornaram a ordem constitucional vigente, na perspectiva varguista e de seus aliados, um obstáculo à modernização do Estado e ao controle da instabilidade social. É nesse ambiente que a ideologia da segurança nacional e do autoritarismo tecnocrático ganha relevo, fornecendo os pressupostos teóricos que sustentariam a ruptura de 1937. A nova carta foi outorgada em 10 de novembro, após um golpe preventivo encenado com base na suposta descoberta do “Plano Cohen”, documento forjado que alegava uma iminente conspiração comunista para tomar o poder. Sob essa justificativa, Vargas dissolveu o Congresso Nacional, suspendeu os partidos políticos e concentrou em si poderes excepcionais. A própria forma de promulgação da Constituição revela sua natureza: não foi submetida a nenhum mecanismo de deliberação popular ou legislativa, instaurando um modelo de Estado em que a autoridade emana unicamente do chefe do Executivo. Francisco Campos, seu principal arquiteto, adotou como base a Constituição polonesa de 1935, moldando-a segundo os interesses do regime, com forte inspiração no constitucionalismo autoritário europeu.
No plano institucional, a Constituição de 1937 extinguiu a autonomia dos entes federativos, consolidando um Estado unitário de fato, sob a hegemonia do poder central. A figura do presidente da República foi alçada à condição de chefe supremo da Nação, com amplas prerrogativas: direito de legislar por decretos-leis, nomeação de interventores nos estados, censura prévia à imprensa, suspensão de direitos civis, dissolução de associações, além da nomeação de juízes e senadores vitalícios. A representação política foi reconfigurada: o sufrágio universal foi suprimido e a Câmara dos Deputados, quando eventualmente convocada, teria seus membros eleitos de forma indireta, com base em categorias profissionais – o fundamento corporativista do modelo. O corporativismo, enquanto doutrina social, foi o elemento estrutural da Constituição. Inspirado no pensamento de teóricos como Manoilescu e nos experimentos fascistas da Itália e de Salazar em Portugal, o corporativismo brasileiro visava dissolver a luta de classes por meio da integração compulsória de trabalhadores e empregadores em organismos estatais – os sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho. O Estado tornava-se o árbitro supremo das relações sociais, conferindo legalidade apenas às entidades que reconhecessem sua autoridade. Assim, anulava-se a autonomia sindical e o direito à greve, substituindo o conflito por um simulacro de representação funcional e harmônica, cuidadosamente regulada pelo poder central.
Esse modelo operava como mecanismo de controle social e de neutralização da mobilização política autônoma. O Estado corporativo projetado na Constituição de 1937 pretendia criar uma sociedade “organicamente unificada”, em que as instâncias da sociedade civil fossem canalizadas para dentro do aparelho estatal. A “democracia orgânica”, nas palavras de Campos, substituía o pluralismo pelo consenso dirigido, a cidadania pela obediência funcional. O operariado urbano, embora contemplado com alguns benefícios sociais, era rigidamente tutelado pelo Estado. Os camponeses e trabalhadores rurais, por sua vez, permaneciam à margem da representação corporativa, consolidando a exclusão secular do mundo rural no pacto político nacional. No campo da educação, da imprensa e da cultura, a Constituição autorizava práticas de censura e de controle ideológico. O regime se valeu da estrutura constitucional para institucionalizar a propaganda oficial e moldar a opinião pública. A censura prévia à imprensa, a repressão às organizações de esquerda e a vigilância sobre os espaços de sociabilidade intelectual demonstram que o controle não se limitava à economia e à política, mas abrangia a totalidade da vida pública e simbólica.
Apesar de sua aparência modernizadora e racionalizadora, o regime fundado em 1937 mantinha em suas bases elementos arcaicos e patrimonialistas. A aliança entre Vargas e as elites tradicionais, especialmente as oligarquias regionais cooptadas mediante a figura dos interventores, revelava a permanência de práticas clientelistas sob uma retórica de “modernização autoritária”. Assim, o Estado Novo foi, simultaneamente, uma tentativa de romper com a desordem do liberalismo oligárquico e um instrumento de consolidação das estruturas sociais excludentes. No plano da história constitucional brasileira, a Constituição de 1937 representa uma ruptura tanto de forma quanto de conteúdo. Foi a única das cartas republicanas completamente outorgada, sem qualquer participação popular ou parlamentar; e a única que explicitamente negava os fundamentos da democracia liberal. Sua vigência marcou um hiato institucional em que o Estado assumiu feições totalizantes, intervindo em todas as esferas da vida nacional, sob o argumento da “redenção da Pátria”.
A sua derrocada, em 1945, não se deu por força de contestação institucional – já que não havia instâncias autônomas capazes de fazê-lo –, mas pelo esgotamento do próprio projeto varguista diante do novo cenário internacional do pós-guerra e da pressão crescente de setores sociais emergentes. Ainda assim, sua herança permaneceu: a estrutura sindical estatal, os instrumentos de controle do trabalho e a tradição centralizadora do Executivo se consolidaram como traços duradouros da cultura política brasileira. Em suma, a Constituição de 1937 materializou uma sofisticada tentativa de reorganizar o Estado e a sociedade sob os moldes de um autoritarismo modernizante, legitimado por uma retórica nacionalista e corporativa. Seu legado, ambíguo e profundo, continua a suscitar debates sobre os limites da democracia e os caminhos da modernização no Brasil.
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